Tente lembrar como você era 25 anos atrás. Talvez uma criança, provavelmente um jovem cheio de sonhos, quem sabe um profissional ambicioso em início de carreira. Um quarto de século guarda muitas mudanças não só para as pessoas, mas também para as cidades.
Nesse tempo, São Paulo viu bairros como a Vila Olímpia irem de badalados a esquecidos. Assistiu a clássicos da gastronomia nascerem, como o premiado D.O.M., mas também morrerem, caso do tradicional Don Curro. Artistas ficaram famosos, outros caíram em esquecimento, tendências gastronômicas como a dos food trucks explodiram e desapareceram, espaços culturais foram repaginados e ruas foram cortadas por ciclovias e bicicletas. Isso sem falar da pandemia de Covid-19, cujo rastro ainda vai levar algum tempo para ser dimensionado.
É verdade que isso faz parte da história de São Paulo, mas tudo está registrado nas páginas do Guia. O roteiro cultural da Folha completa 25 anos nesta segunda-feira, dia 21. Mas o corpinho é novo, com publicações diárias na versão online e edições impressas sempre às quintas, sextas e sábados junto à Ilustrada, e o fôlego ainda é de criança.
Da primeira capa, em 21 de março de 1997, que falava sobre a estreia da nova versão de "Star Wars" em 180 salas de cinema, até as principais novidades de 2022, que agora incluem os lançamentos badalados diretamente nas plataformas de streaming, confira abaixo 25 mudanças ocorridas na cidade e na vida do paulistano nos últimos 25 anos, a partir de reportagens do Guia.
E que venham os próximos 25.
1. Preços mais altos (1997)
Desde o seu surgimento, o Guia sempre trouxe os preços de São Paulo. Um levantamento dos pratos mais caros dos restaurantes paulistanos foi publicado na edição do dia 25 de julho de 1997. O troféu ficou com o camarão à champanhe do La Tambouille. Seu preço? Nada mais do que R$ 65 –que correspondem a atuais R$ 285, se ajustados de acordo com a inflação do período. O prato ainda é servido na casa, hoje custa R$ 237 e não é o mais caro da cidade, mas divide espaço com alguns deles —os camarões ao limão e vinho branco com berinjela grelhada servidos no Fasano custam hoje R$ 284, enquanto uma versão dos crustáceos com emulsão de champanhe e espinafre sai por R$ 230 no Président, por exemplo.
2. De GLS para LGBTQIA+ (1997)
Em 1997, o Guia já tinha uma seção específica com dicas de festas chamadas de GLS. Até porque a Parada do Orgulho LGBT foi criada naquele mesmo ano. Foi em 2013 que surgiram ícones no suplemento para dizer o quão "gay friendly" eram os locais indicados —as categorias eram "hétero de alma gay", "mix de gays e héteros" e "frequentados por gays". De lá para cá, muita coisa mudou e outros grupos foram incluídos na bandeira. Tanto que a sigla GLS —gays, lésbicas e simpatizantes— ficou no passado e deu lugar à LGBTQIA+: lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexo, assexuais e outros.
3. Boom dos cinemas (1998)
Os cinemas se transformaram em São Paulo nos últimos 25 anos. Em 1998, por exemplo, o Guia noticiou um aumento de 36% nesses espaços e registrou o início da tendência de aberturas de salas em shoppings. Em 2005, foi a vez da implementação dos ingressos com lugar marcado, que hoje é regra em todos os cinemas e pôs fim à correria para entrar logo e escolher o melhor assento. Três anos depois, mostrou a chegada da tecnologia 3D à cidade. A expansão só foi freada em 2020, com a pandemia, que forçou todas as salas a ficarem fechadas por meses.
4. Onda verde (2002)
"Se você não gosta de new age, cuidado. A maioria dos naturais toca constantemente esse tipo de música. Acredita-se que auxilia na qualidade da refeição." Esse era o cenário dos restaurantes naturais da cidade nas palavras do Guia de 18 de janeiro de 2002 —em um período em que termos como vegano e até mesmo vegetariano ainda eram restritos. Em 7 de abril de 2006, o caderno testou três restaurantes veganos de São Paulo e destacou que existiam "poucas (e modestas) opções". Hoje praticamente todos os principais restaurantes paulistanos oferecem pratos sem carne ou ingredientes de origem animal. E já existe até "carne vegetal".
5. Ascensão e queda da Vila Olímpia (2002)
O bairro que hoje mostra uma vida noturna pouco expressiva teve seus anos de glória registrados nos roteiros. Em 2002, um texto mostrava a ascensão da avenida Hélio Pellegrino, que na época era point de vários bares recém-inaugurados. Das casas listadas na ocasião, como L'Absinthe e Pérola, nenhuma mais está em funcionamento.
6. Quero café (2003)
Apesar de o café ter sido historicamente importante para São Paulo, a onda das cafeterias dedicadas a grãos de qualidade é recente. A edição de 20 de novembro de 1998, por exemplo, trazia a inauguração do Gero Caffè, cujo principal atrativo era, na verdade, o ambiente de "ares europeus". Foi só em 3 de outubro de 2003 que o Guia destacou "uma nova safra de lugares especializados na bebida que prometem mudar esse hábito apressado dos paulistanos", com lugares como Suplicy e Santo Grão. Já o Coffee Lab, um dos primeiros representantes da onda mais recente de cafeterias, fez sua estreia no jornal em 4 de setembro de 2009.
7. Ingressos sem filas (2003)
A internet ainda era um latifúndio a ser explorado em 2003. Na mesma edição em que fala do crescimento das lan houses na cidade, o Guia testou três sites de venda de ingresso para teatros paulistanos e comparou o serviço com a compra pelo telefone. Era uma novidade que prometia o fim das filas nas bilheterias. Em 2009, outra reportagem mostrou a insatisfação dos paulistanos com o serviço —na época, leitores criticavam as altas taxas de conveniência das compras online, que existem até hoje.
8. A onda dos rodízios japoneses (2004)
Se atualmente é possível achar sushis por apenas R$ 1 em aplicativos de delivery, a popularização da comida japonesa por aqui apareceu no suplemento de 23 de abril de 2004, que apresentava uma lista com os 15 melhores rodízios de sushi de São Paulo. Segundo o texto, eles tinham se tornado uma onda na cidade, com preços variando de R$ 19,90 a R$ 45 por pessoa. Alguns meses depois, em 27 de agosto daquele mesmo ano, a edição destacava dois restaurantes que ofereciam temaki, que ainda era pouco conhecido e precisava de legenda explicativa: era "aquele sushi gigante em forma de cone".
9. Rumo à Augusta (2005)
No começo dos anos 2000, o eixo badalado da capital começou a se estabelecer entre Pinheiros e a rua Augusta. A publicação de 29 de julho de 2005 destacava a nova fase do Baixo Augusta, mostrando que a abertura de casas como Vegas, Milo Garage e Exquisito selava a "revitalização da noite na região com uma movimentação eclética há tempos desconhecida por aquelas bandas". Era o começo de um movimento que hoje parece em declínio, com menos opções de casas noturnas na região.
10. O fim das tribos (2005)
A noite paulistana chegou aos anos 2000 segmentada em grupos que frequentavam sempre espaços especializados, mas isso mudou rapidamente. Em 2005, o Guia decretou o fim das tribos e dos "points de playboys, picos de manos, baladas GLS e clubinhos de modernos", por causa de "incontroláveis fusões musicais" daqueles tempos. O resultado foi o nascimento de baladas que passaram a se dedicar a vários gêneros e a festas que reúnem públicos diferentes sob o mesmo teto.
11. Wi-fi para todos (2006)
Agora regra em estabelecimentos comerciais e disponível até no transporte público, o wi-fi virou tema em 2006, quando o serviço despontava por aqui. Com direito a ensinar o significado da palavra ("wireless fidelity", ou fidelidade sem fio) e como utilizar a ferramenta (apenas "em notebooks ou celulares de última geração"), o caderno listou 30 bares, cafés, restaurantes, docerias e hotéis em que o serviço já funcionava. Em 2017, em outra reportagem, a preocupação era se a tecnologia era boa o suficiente para aguentar um dia inteiro de trabalho sem gerar dores de cabeça.
12. Cerveja, cerveja, cerveja (2007)
Pode até não parecer, mas até 2007 os cervejeiros da cidade encaravam um deserto de opções. Segundo o suplemento de 13 de abril daquele ano, foi mais ou menos nessa época que as geladeiras começaram a ganhar novas cores e marcas. O texto registrava o número de casas que ofereciam cada vez mais rótulos importados e mostrava que o paulistano não estava mais restrito à Brahma e à Skol, mas também começava a ter opções nacionais artesanais, como Eisebahn, Devassa e Baden Baden.
13. Nova música paulistana (2008)
Em 2008, estampando fotos de Romulo Fróes e Anelis Assumpção, a seção de shows do Guia disse que "ainda é cedo para dizer que a nova (boa) música paulistana está se tornando um movimento" e falava sobre projetos de intercâmbio entre esses artistas. A tendência se consolidou, e esses músicos ganharam a companhia de outros nomes da cena, sempre registrados nas páginas, como Céu, Liniker, Tulipa Ruiz, Luiza Lian, O Terno, Tassia Reis e Linn da Quebrada.
14. Duas rodas (2008)
Quem vê a cidade repleta de ciclofaixas, ciclovias e serviços de aluguel de bicicletas pode esquecer que as magrelas não podiam ser transportadas no metrô até fevereiro de 2008. Em abril daquele ano, foi avaliado como era levá-las no transporte público. A cobertura sobre a ampliação dos locais adequados para as duas rodas em São Paulo se intensificou ao longo dos anos, com textos sobre a inauguração de novos trajetos, rotas especiais para os ciclistas e testes de bicicletários.
15. A nova cara do MIS (2008)
Hoje um dos museus mais visitados da cidade e até com uma segunda unidade, o MIS Experience, especializado em programação multimídia e atualmente com uma mostra dedicada a Candido Portinari, o Museu da Imagem e do Som de São Paulo nem sempre foi tão descolado. Em 2008, a seção dedicada às exposições registrou a sua reabertura após oito meses de reformas, inaugurando uma nova fase aberta à "convergência das mídias" e à "arte tecnológica". As imensas filas das exposições mostram que o paulistano abraçou o formato.
16. Chega de fumaça (2009)
Se hoje o fumante já está acostumado a procurar por botecos com áreas abertas e espaços específicos para acender seu cigarro, a situação ainda era nebulosa —literalmente— quando a lei antifumo surgiu, em agosto de 2009. Na época, alguns espaços fizeram reformas para acomodar esse público. Dois anos depois, o Guia avaliou que o saldo era positivo nas casas e contou que a mudança criou até novos pontos e transformou fumódromos em locais para flertar e fazer amigos.
17. Capital do grafite (2009)
"Anda cada vez mais difícil encontrar uma empena vazia e cinzenta em São Paulo", disse o Guia em 1º de outubro de 2020. Mas parte importante do movimento que deu à cidade o título de capital mundial do grafite ocorreu em 2009, quando o Masp recebeu a exposição "De Dentro para Fora/De Fora para Dentro" e se rendeu à arte urbana, com obras de Titi Freak e Zezão, atraindo 140 mil pessoas ao museu. A continuação da mostra se deu em 2011 e levou trabalhos de artistas como o francês JR para as ruas da capital.
18. Pinheiros (2011)
Uma das mudanças recentes de eixo da cidade foi a ascensão de Pinheiros, que deixou o passado de sobradinhos para ser um bairro de espigões e lugares descolados, como publicado no suplemento em 28 de outubro do ano passado. Até o começo dos anos 2000, parte da badalação paulistana se concentrava nos Jardins e na Vila Olímpia. A Vila Madalena já havia visto uma explosão de bares nos anos 1990, mas foi por volta de 2011 que a vizinha Pinheiros se consolidou como um polo gastronômico, segundo registrado na edição de 28 de janeiro daquele ano.
19. Nova noite (2011)
A madrugada paulistana também seguiu o fluxo do crescimento de São Paulo no começo dos anos 2000. O movimento de tomada das ruas fez com que a badalação descolada rumasse hoje para a região de Santa Cecília, Vila Buarque e Barra Funda. A herança underground, porém, vem de antes, de lugares como o Bar do Netão, no Baixo Augusta, e a festa de rua Voodoohop –eleita a melhor de 2011 pelo Guia. Foi uma mudança grande, já que o bacana em São Paulo até meados de 2005 era curtir os clubes, alguns dos quais cobrando entradas de até R$ 1.600, como mostrava a edição de 11 de fevereiro daquele ano.
20. Vias abertas (2015)
O paulistano aprendeu a curtir o ar livre em meio ao oceano de concreto. Dois lugares são fundamentais para isso: a avenida Paulista e o elevado Presidente João Goulart, o Minhocão. Este último tem acesso restrito aos carros todos os domingos e durante a noite dos dias de semana desde 1996 –a medida se estendeu aos sábados em 2015. Já a avenida Paulista seguiu a onda e começou a impedir o acesso de automóveis aos domingos também em 2015. A medida logo foi abraçada por moradores e turistas, como registrou o Guia de 30 de outubro daquele ano.
21. E os food trucks? (2015)
Uma lei assinada no finalzinho de 2013 regulamentou a venda de alimentos em carros, carrinhos, furgões e barracas em São Paulo e lançou um raio gourmetizador sobre a comida de rua. Com isso, não demorou para que a capital fosse dominada por uma frota de cozinhas motorizadas. Em 26 de junho de 2015, o Guia publicou seu primeiro roteiro de food trucks, com 20 negócios que bombavam na cidade, como o La Peruana e o Buzina Burgers, que depois ganharam endereços fixos. O texto dizia que a moda não parecia ser passageira –o que não se concretizou, já que boa parte dos food parks da época desapareceram anos depois.
22. Carnaval de rua (2016)
Restrito por anos aos desfiles das escolas de samba no Anhembi, o Carnaval de São Paulo começou a chamar mesmo a atenção do país em meados de 2016. Foi quando o Guia publicou rotas temáticas para curtir diferentes blocos de rua, que viviam plena expansão. Com o aumento da fama e da dimensão, a farra de rua se tornou protagonista —embora esteja suspensa no momento por causa da pandemia de Covid-19.
23. Comida em casa (2020)
O delivery existe no país desde pelo menos os anos 1980, quando ainda se chamava tele-entrega. Mas foi agora, durante a pandemia, que o serviço estourou de verdade. Com as restrições impostas como medida de combate ao coronavírus, restaurantes tiveram de fechar as portas e adaptar o serviço para levar a comida até o cliente, com entregadores próprios ou associando-se a algum aplicativo. O Guia de 20 de março de 2020 testou 19 restaurantes que faziam entregas. Depois, em 17 de junho de 2021, mostrou os melhores apps de delivery disponíveis na capital.
24. Pandemia (2020-atual)
A chegada da pandemia de Covid-19 atropelou e mudou radicalmente a cultura e a gastronomia da cidade. O fechamento das casas e a pausa na programação da capital fizeram com que o Guia passasse a ser publicado junto à Ilustrada e adaptasse a sua curadoria —foi quando explodiram deliveries, lives, plataformas de streaming e tudo o que era possível fazer em casa. Também foi o momento em que a cidade se despediu de endereços tradicionais, como o Don Curro, o Pasv, a Oregon, o Ramona e tantos outros.
25. Streaming (2021)
Com o fechamento das salas de cinema por causa da pandemia, o streaming passou a absorver uma legião ainda maior de cinéfilos e começou a lançar filmes inéditos de diretores importantes, como Martin Scorsese e Pedro Almodóvar. Em março do ano passado, o Guia avaliou pela primeira vez as principais plataformas em dez categorias. Dois meses depois, estreou o seu novo roteiro, com uma curadoria do melhor que pode ser visto no streaming.
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