CRÍTICA: 'O Outro Lado da Esperança' ridiculariza ideias de eficiência ligadas a nórdicos



O OURO LADO DA ESPERANÇA (muito bom) 
(Toivon Tuolla Puolen) 
DIREÇÃO Aki Kaurismäki 
PRODUÇÃO Finlândia/Alemanha, 2017. 98 min. 14 anos
ELENCO Sherwan Haji, Sakari Kuosmanen e Janne Hyytiäinen
Veja salas e horários de exibição.


Quem assiste a um ou aos muitos filmes do finlandês Aki Kaurismäki logo identifica um estilo marcado por estranhamento e economia.

Seus personagens parecem ter saído de um freezer direto para as ruas de Helsinque e as atuações sugerem tipos burocráticos e sem vida.

A economia, por sua vez, aparece em outros sentidos. Nos cenários despojados, no ritmo seco, na ação reduzida e nas histórias de gente que sobrevive de quase nada.

"O Outro Lado da Esperança" reúne essas características nas duas cenas iniciais. Na primeira, um jovem emerge de um monte de carvão, com a face escura e vindo sabe-se lá de onde. Na outra, um homem dá fim ao casamento jogando a aliança num cinzeiro sujo.

Logo saberemos um pouco sobre esses destinos que se cruzam por acaso e depois se juntam seguindo o tão humano impulso de autoproteção.

Antes disso, Kaurismäki narra o rumo de cada um como linhas aleatórias, movidas por ímpetos mais do que por decisões.

Khaled, refugiado sírio, foi parar na Finlândia sem saber aonde ia. Wikström, finlandês de meia-idade, separa-se da esposa, larga o trabalho declinante e aventura-se comprando um restaurante que tem todos os ingredientes para dar errado.

A guerra na Síria e a onda de refugiados é uma onda que vem batendo forte no cinema europeu, preocupado em mostrar a instabilidade social, o medo do terrorismo e o avanço do conservadorismo e dos nacionalismos.

Kaurismäki, cujos filmes sempre capturaram a desordem sob o bem-estar, aborda a questão com seu modo irônico e nada sentimental.

A ambiguidade do título "O Outro Lado da Esperança" comporta tanto o positivo como o pessimismo e o filme não entrega soluções. O cinema de Kaurismäki exibe as feridas e, em vez de falsear reconciliações, as trata com um humor ácido e amargo.

Esse viés anarquista aparece aqui no paralelismo entre a ordem do Estado e a vida improvisada dos indivíduos, clandestinos ou não. Enquanto aquele decide com base em abstrações, a razão de ser do outro é fugir ou fingir obediência.

Ao mesmo tempo em que ridiculariza as ideias de organização e de eficiência com as quais identificamos os nórdicos, Kaurismäki derrama seu carinho sobre os personagens que escapam.

Quanto mais erram, mais eles se aproximam da temperatura humana.

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