Rodas de samba na região norte ajudam a resgatar a cultura negra em SP

Com preços acessíveis, espaços Poeira Pura e do Samba da Cruz ficam cheios rapidamente

São Paulo

É tarde de sábado em frente a um galpão na Vila Maria Baixa, região norte de São Paulo. Pessoas vão chegando, algumas com estilo mais esportivo, outras mais elegantes, prontas para uma festa.

Rapazes vestem camisas que lembram a moda africana, enquanto mulheres exibem seus cabelos e vestidos. Sem filas, todos seguram seus ingressos, comprados antecipadamente, e seguem prontos para assistir a roda de samba.

Banda e público na roda de samba Poeira Pura, na Vila Maria Baixa, na zona norte de São Paulo
Banda e público na roda de samba Poeira Pura, na Vila Maria Baixa, na zona norte de São Paulo - João Medeiros/Folhapress

Esse é o clima na entrada da festa do Poeira Pura, um grupo de samba carioca que invade mensalmente a capital paulista, com público fiel.

Churrasquinho, balde com cervejas, drinques simples e uma aura de samba raiz, o Poeira —como os frequentadores o chamam— nasceu para transformar e incomodar os adeptos da roda de samba mais tradicional.

No ambiente escuro ao fundo do galpão, os músicos sentam-se em uma roda com seus instrumentos de percussão, como em uma cerimônia religiosa. O diferencial: não tem vocalista, e é isso que torna o samba energético.

Mateus Professor, que divide o título de fundador com Rogério Família, conta que a ideia é ter um samba dinâmico, que traga a cultura dos terreiros de macumba para o meio da roda. "A gente se conhece há uns 20 anos e estávamos insatisfeitos com muitas coisas envolvendo a cultura do samba em geral", afirma.

O fato de o público do evento ser majoritariamente negro é um atrativo para muitos. Luiz Henrique, que mora em Itaquera, na região leste, não perde uma data do Poeira Pura, mesmo percorrendo um trajeto de mais de uma hora para chegar à festa.

"No Poeira, todos os negros são lindos, as meninas são lindas, os rapazes aparecem montados, cheirosos. É como se fosse o Funilaria [balada na Bela Vista, na região central], só que melhor."

Inaugurado em dezembro do ano passado, o espaço foi criado por Marco Santos, carioca e amigo de longa data dos sambistas do grupo. Foi ele quem teve a ideia de montar em São Paulo uma roda de samba nesse formato, e só conseguiria isso trazendo os sambistas do Rio de Janeiro.

Outro atrativo é o preço das bebidas. A caipirinha de 700 ml, com seis opções de frutas, custa R$ 25. Já a cerveja em lata é vendida a partir de R$ 6. Santos afirma que os valores acessíveis são para que todos possam curtir. "O galpão é uma casa de negros, uma casa de samba e também uma casa de pluralidade, onde todos são bem-vindos."

O Poeira Pura também é lembrado pela sensação de pertencimento dos negros transmitida nas redes sociais do grupo. O trabalho de mídia no Instagram é outro diferencial do evento. "Construímos uma imagem agressiva, sensual e conectada com os debates da sociedade", afirma Rogério Família.

O samba que inicia às 16h e termina pontualmente às 22h acaba deixando o público no auge da empolgação —e da pegação. Na saída, a maioria comenta o próximo ponto de encontro da noite: o Samba do Cruz, na Casa Verde, também na região norte.

A uma distância de 8 km do galpão, fica o Espaço Cruz da Esperança, clube esportivo fundado em 1958, com campo de futebol. É nesse lugar que acontece um dos sambas mais comentados do momento.

A primeira vez pode espantar um pouco. Ao chegar à rua Marambaia, 802 —onde fica o espaço—, um portão azul esconde uma via de terra escura, localizada entre um campo de futebol à esquerda e um córrego. No trajeto de cinco minutos a pé, bem ao longe, se vê os arcos do Sambódromo do Anhembi. Um pouco mais perto, o bar do clube surge com uma extensa fila.

Diferente do Poeira Pura, o Samba do Cruz é gratuito e realizado às sextas, sábados e segundas. Mas o que faz envolver o mesmo público é o local também ser frequentado majoritariamente por pretos.

Antes do pandeiro soar, quem comanda a pista é o DJ VJ Nó, que também apresenta em um telão vídeos de eventos feitos no espaço, nos quais ele mesmo aparece como mestre de cerimônia e entrevistador, como em uma gravação de casamento.

O espaço enche rápido e por volta das 23h o pagode começa, invadindo a madrugada sem hora para acabar. A roda prioriza músicas com pontos de candomblé, como canções de Martinho da Vila e Zeca Pagodinho, e hits dos sambas criados na quadra do Cacique de Ramos, como Fundo de Quintal, Jorge Aragão e Beth Carvalho. Essa curadoria musical faz toda diferença no clima.

Para Vanessa Santos, que frequenta o samba desde 2021, o espaço voltou a ficar cheio aos sábados por conta do Poeira Pura. "A galera sai de lá e o único samba preto e de qualidade na região é o Cruz. Os pretos saem de uma roda de macumba e vêm para outra."

No Cruz, a bebida tem preço um pouco mais elevado. A lata da cerveja custa R$ 10, e o copo da cachaça Kariri com limão e mel, um dos drinques mais pedidos no bar, sai por R$ 15.

O sucesso de festas que resgatam a identidade negra de São Paulo, como o Samba do Cruz e o Poeira Pura, é sinal de que nas margens da capital o partido alto soa mais forte.

Poeira Pura - Galpão ZN - R. Severa, 212, Vila Maria Baixa, região norte. Datas: 1º e 2 de julho. Ingressos: R$ 15 a R$ 45. poeirapura.com

Samba do Cruz - Espaço Cruz da Esperança - R. Marambaia, 802, Casa Verde. Sex., sáb., e seg. Instagram
@samba_do_cruzz

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