Todo final de semana parece mais festivo na rua Vitorino Carmilo, na Barra Funda, desde o pré-Carnaval paulistano deste ano. É que o quarteirão, que concentra os bares mais movimentados do bairro na região oeste —como Trago, Bandeira Bandeira e Dali Daqui— ganhou, em março, uma balada que reúne centenas de pessoas em seu interior e fora dela.
A novidade é o Ponto G, que ocupa um galpão sem firulas, como costumam ser parte dos espaços que viram sensação em São Paulo, como o Funilaria e o Mercadinho do Lasanha, por exemplo. O endereço é decorado com grafites nas paredes laterais e com espelhos na dos fundos —é na frente deles que rodas de samba e DJs tocam, de sexta a domingo, para grupos de até 300 pessoas.
A frente da casa está um personagem que ficou conhecido vendendo bebidas em blocos de Carnaval e festas de rua. Uma das formas de Anderson Ferreira, 38, se diferenciar de outros profissionais foi um uniforme improvisado que acabou se tornando marca registrada —avental preto sem camisa por baixo, gravata borboleta e óculos escuros. Desde 2014, a alcunha escolhida por ele para acompanhar essa fantasia foi a de Gordoboy, nome pelo qual o Ponto G também é chamado.
"Quando acabou o Carnaval e eu voltei a vender na praça Roosevelt e na rua Maria Antônia as pessoas continuaram perguntando do Gordoboy. No começo eu não gostava de trabalhar fantasiado, mas sem isso eu seria só mais um com os mesmos produtos que todos. A partir dali eu prometi que só sairia para trabalhar daquele jeito", conta Ferreira.
Ferreira, que nasceu em Cangaíba, na zona leste de São Paulo, se mudou para o centro há dez anos com uma bagagem que incluía cursos de culinária e empreendedorismo que o ajudaram em suas empreitadas. Até a inauguração do Ponto G, ele chegou a vender churrasquinhos, abriu um bar e criou um ponto de comida árabe. As experiências sempre se cruzaram com o trabalho como ambulante, que ele começou para complementar a renda.
"O meu diferencial sempre foi identificar lugares que estavam para crescer. Fui um dos primeiros a vender na nova Roosevelt, depois na frente ao Mackenzie, e no parque Augusta. Na Maria Antônia eu comecei sozinho e, no final, já tinha quatro carrinhos de pessoas que trabalhavam comigo", diz.
Ferreira ampliou sua clientela apostando em promoções, emplacando bordões, higienizando os produtos e ajudando na redução de danos —era comum vê-lo dando garrafas de água para clientes que passavam do ponto.
Tudo isso, ele lembra, foi potencializado por uma expansão da cultura de rua que se intensificou há cerca de dez anos na cidade. "A figura do Gordoboy nasceu junto de coletivos que ficaram grandes, como a Pilantrangi, a Festa Mel, a Blum. Isso me ajudou a estreitar o relacionamento com donos de bares e festas de rua".
A parceria com produtores e clientes fez com que ele chegasse a faturar entre R$ 5 e R$ 10 mil reais em algumas noites e a empregar cerca de 30 outros ambulantes ao longo dos anos.
Um mês antes do início da pandemia em 2020, no entanto, Ferreira teve isopores, carrinhos, máquina de cartão e guarda-sol roubados. Nesta época, ele afirma ter ficado dez meses sem conseguir pagar aluguel, recebeu avisos de despejo e teve que pedir empréstimos. Quando a pandemia saiu de sua fase crítica, voltou a trabalhar com um isopor pequeno. Foi quando se lembrou que, uma vez, um amigo lhe sugeriu que abrisse um bar.
"Fiz meu plano de negócios, fiquei mais quatro meses sem pagar aluguel para guardar o dinheiro, peguei o que consegui com as vendas na eleição e juntei tudo na unha. Fiz a obra em 29 dias, trabalhando dia e noite quebrando parede, batendo massa, comprando material de construção fiado. Foi uma loucura", conta.
Em 11 de fevereiro, o bloco Charanga do França inaugurou o novo ponto do Gordoboy com os músicos vestidos de avental e gravata borboleta. No dia seguinte, o Ponto G serviu como dispersão do Bloco Feminista e a partir daí se tornou "after" de blocos da região central da cidade. Hoje, ainda recebe pessoas que se reúnem nos bares da disputada Sousa Lima, que fica na esquina, e que procuram um lugar para dançar.
Mas Gordoboy pretende transformar a casa em mais do que uma balada e ceder o espaço gratuitamente para intervenções, oficinas e palestras. "Quero dar aulas de DJ para a molecada, ter apresentação da Charanguinha do França com piscina de bolinhas. Quero que seja um espaço cultural para educar e inserir também", diz.
Comentários
Ver todos os comentários