Marcos Benuthe, um dos sócios do Bar e Mercearia São Pedro, planeja abrir um espaço só seu até o fim deste ano. Batizado Bar e Livraria Ria, o estabelecimento fica a 400 metros ou cinco minutos de caminhada da Merça —nome pelo qual o bar que mantém com seu irmão, Pedro Anis, é conhecido entre escritores, artistas, boêmios e clientes na paulistana Vila Madalena.
O anúncio vem dois dias após ele anunciar o fechamento da Mercearia São Pedro, o que causou comoção nas redes sociais.
“Vai ser a filha bastarda da Mercearia São Pedro. Uma livraria que vende cervejas, sanduíches, cafés e porções, como na Merça. É pequeninho. Tem uma calçadinha, onde vão caber umas seis mesas”, diz Benuthe ao telefone, ao som das marteladas da obra que já é conduzida no sobrado que abrigará a Ria.
"O nome vai ser Ria, de mercearia, de livraria, e porque a gente precisa ter algum motivo para não morrer de desgosto neste país em que a gente vive. Estou convidando as pessoas a rirem", acrescenta ele, mais conhecido como Marquinhos.
O novo empreendimento, na rua Marinho Falcão, já é planejado há cerca de um ano, fruto do desentendimento que Marquinhos tem com o irmão, Pedro, tornado público nesta semana. Ambos são sócios e donos da Mercearia São Pedro.
Segundo Marquinhos, o bar fechará as portas nos próximos meses porque o imóvel em que está localizado foi vendido e vai dar lugar a um prédio de luxo. Pedro, contudo, nega a venda e diz que o bar seguirá funcionando no mesmo lugar. A construtora que supostamente teria assinado um pré-contrato de compra do sobrado que abriga o bar, a Even, também nega as informações.
Os dois irmãos ainda têm disputas abertas na Justiça em relação aos imóveis da família e à sociedade no bar. Em agosto, o tribunal determinou a venda de três imóveis vizinhos ao estabelecimento, na rua Rodésia —mas a decisão não afeta o local onde o boteco está, no número 34. Até o momento, a Mercearia segue funcionando.
“Tinha pensado em parar com tudo, mas os amigos não deixaram”, diz Marquinhos. “Essa polêmica toda me deu mais vontade de tocar o projeto. Não tenho dependentes, levo uma vida pacata, então não é por dinheiro. É pelas pessoas que estão ao meu lado que me animaram a continuar."
Ele afirma que já comprou geladeira, móveis e cerca de 2.000 livros para o acervo da nova livraria, guardados em um dos sobrados da família. Agora falta a máquina de café expresso.
O acervo, ele explica, é uma das principais preocupações. Foram a literatura e os escritores, afinal, que transformaram a Merça no reduto de artistas como Ignácio de Loyola Brandão, Noemi Jaffe, Antonio Prata, Caco Galhardo, Laerte e o rockeiro australiano Nick Cave, que não saíam do bar.
“Eu vou querer ter poucos e bons livros. Estão voltando a florescer as pequenas livrarias, ao passo que as grandes entraram pelo cano. Quero ser como uma dessas. Quero tocar meu acervo com carinho, como fazia na Merça”, afirma.
A trajetória de Marquinhos, afastado do balcão há cerca de cinco anos, se mistura à da Merça. Foi ele que convenceu o pai a desistir de materiais de construção para vender café, água sanitária, cerveja e, mais à frente, livros e VHS, como escreveu Marcelino Freire sobre a casa, na Ilustrada.
Parte dessa história está eternizada nas páginas de “Saideira - O Livro dos Epitáfios”, antologia organizada pelos escritores Marcelino Freire e Joca Reiners Terron, que chegou às livrarias em abril de 2018 na comemoração dos 50 anos da casa.
Enquanto o Ria não abre as portas e a Justiça não chega a uma conclusão quanto ao desentedimento dos Benuthe, a Merça segue aberta, sem se juntar a casas como o bar Genésio ou o Mandíbula, que encerraram as atividades durante a pandemia —veja a lista completa de bares fechados em São Paulo.
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