O Bar Mercearia São Pedro, ponto de encontro de escritores, artistas e boêmios na Vila Madalena, fechará as portas nos próximos meses —pelo menos é o que disse Marcos Benuthe, filho do fundador e um dos proprietários do local, na tarde desta quarta-feira (18).
O motivo seria a venda do espaço para uma construtora, que usaria o terreno para um empreendimento imobiliáro. No entanto, seu irmão e também sócio do bar, Pedro Anis, nega que o espaço será fechado. A construtora que supostamente compraria o local, a Even, afirmou em nota não ter nenhum acordo de aquisição do terreno.
De acordo com Benuthe, mais conhecido como Marquinhos, o local será demolido para a construção de um prédio de luxo, que tomaria ainda outros cinco sobrados da família naquela área.
"Eu definiria com aquela frase: é o poder da grana que destrói coisas belas. Nos últimos anos, a Mercearia já não é a mesma. Esse fim era inevitável. Desde alguns meses antes da pandemia, ela já vinha definhando", afirmou.
Marquinhos disse que assinou um contrato de pré-venda com uma incorporadora, mas não informou o nome dela nem mostrou à reportagem o documento. Ele conta que questões burocráticas ligadas ao inventário de seu pai, Pedro, precisam ser resolvidas para que a compra seja concluída.
"Todos os herdeiros estão afim de vender, porque é difícil reviver a Mercearia que já existiu", afirmou. "Já venho recebendo, há três meses, um adiantamento, então eu considero irreversível, apesar de o contrato definitivo ainda não ter sido assinado."
A trajetória de Marquinhos, afastado do balcão há cerca de cinco anos, se mistura à do bar. Foi ele, afinal, que convenceu o pai a desistir de materiais de construção para vender café, água sanitária, depois cerveja e, mais à frente, livros e VHS, como escreveu Marcelino Freire sobre a casa, em texto publicado na Ilustrada.
Após o suposto fechamento ter sido anunciado, o clima foi de dúvida e tristeza na Mercearia São Pedro nesta quarta (18). Por volta das 17h, os clientes mais antigos do bar começaram a chegar já com a pergunta na ponta da língua: “E aí, veio também para a despedida?”, ouvida pela reportagem diversas vezes na casa.
Não só os clientes mas também os garçons foram pegos de surpresa. Questionados, todos disseram que não sabiam do fim da operação e que estavam, na verdade, até se preparando para horários mais extensos após a Prefeitura ter retirado o limite de horário e a capacidade máxima dos estabelecimentos.
Pedro Anis estava no bar nesta quarta-feira, mas ficou recluso em seu escritório, no segundo andar do imóvel, e se recusou a falar sobre o caso ou dar entrevistas. Todos os quadros, itens de decoração e mobiliário do bar estavam no local e não havia qualquer movimentação de desmonte ou mudança.
Uma das calçadas mais concorridas da capital paulista, o bar foi inaugurado em 1968 por Pedro Benuthe, o Pedro que dá nome à casa e a seu filho, que se tornou sócio do bar. Era apenas uma mercearia. Quatro anos depois, porém, ganhou balcão e equipamentos de bar, quando passou a servir pingas e sanduíches.
A expansão continuou nos próximos anos. Na década de 1980, a família ampliou as atividades com o aluguel de fitas de VHS e passou a atrair seu público mais fiel, escritores e jornalistas. Em 1996, passou também a servir almoço caseiro e, no início dos anos 2000, acrescentou livros às prateleiras.
Parte dessa história está eternizada nas páginas de “Saideira - O Livro dos Epitáfios”, antologia organizada pelos escritores Marcelino Freire e Joca Reiners Terron, que chegou às livrarias em abril de 2018 em comemoração aos 50 anos da casa.
No livro, nomes como Ignácio de Loyola Brandão, Noemi Jaffe, Antonio Prata, Caco Galhardo, Laerte e o rockeiro australiano Nick Cave, que não saía do bar enquanto viveu em São Paulo, escreveram o que poderia estar em suas lápides.
Na rua Rodésia, 34, o bar assistiu a modas irem e virem, mas continuou igual, com os mesmos amendoins de quase 50 anos atrás. Agora, pode engrossar a lista de bares tradicionais que fecharam as portas durante a pandemia. O bar Genésio, criado em 2002, foi um deles, assim como nomes moderninhos como o Mandíbula —veja a lista completa.
Decio Ferrone, de 71 anos, cliente do boteco desde a década de 1980, mostrou à reportagem um áudio que teria sido enviado por Pedro Anis, seu amigo, refutando que a casa vá encerrar suas atividades. “É fake isso aí! O quarteirão que compraram é o da rua Harmonia e da rua Jericó", dizia.
Por via das dúvidas, os clientes preferiram brindar em alto e bom som com suas cervejas nesta quarta-feira: “A Merça vai deixar saudades. É o fim de uma era”.
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