O pé-direito todo em vidro faz com que as luzes amareladas de luminárias e abajures desfoquem ligeiramente a iluminação do ambiente. Basta um drinque chegar às nossas mãos, embalado pela melodia de voz e piano, para o cenário dar uma ligeira clareada. Naquele instante, a cidade, vista lá de cima, parece ficar mais bonita ao cair da noite.
Estamos a 165 metros de altura da avenida Ipiranga. O prédio abriga o Bar do Terraço, no Edifício Itália, um clássico cartão-postal paulistano, localizado no centro da capital. Ultimamente, o público que transita por ali tem dado uma boa variada. Há casais, inclusive de jovens. Tem também uma galera mais nostálgica que se amarra nos grandes clássicos da música brasileira e da norte-americana. É claro que quase todos estão à procura de um cantinho para apreciar o panorama metropolitano. Sem dúvida, muita gente é turista, de fora e daqui.
"É um ambiente que as pessoas querem conhecer. Existe uma enorme curiosidade em torno dessa paragem", conta a professora Melissa Silva, 40, moradora do município de Campo Bom (RS), em visita ligeira a São Paulo.
Com a retomada de eventos e feiras, a maior e mais rica cidade do país segue novamente atraindo viajantes de todas as partes, o que fez com que o bar voltasse a ficar bastante disputado, inclusive às segundas-feiras.
"Quando se tem essa vista, aí, sim, você se dá conta do gigantismo de uma metrópole como São Paulo. É emocionante", opina a professora, que estava acompanhada de outras duas amigas forasteiras, todas em viagem a negócio. A carta de drinques também chamou a atenção das visitantes.
Dias atrás, o Bar do Terraço trouxe para a sua equipe um profissional reconhecido na mixologia, não só de São Paulo como do Brasil, Alê D’Agostino. Ex-bartender por 18 anos do Spot, bar e restaurante badalado da região da avenida Paulista, hoje ele é empresário do ramo etílico.
D’Agostino é quem está por trás dessa revigorada no cardápio de drinques do Terraço, que, há anos, mantinha-se o mesmo.
"São drinques mais minimalistas", explica ele. "Há muito sabor que você já conhece, mas há também uma delicadeza, uma maior complexidade", segue.
O novo criador da carta de drinques do bar abraçou, por exemplo, o lado cosmopolita do lugar, conectado à cidade, sem abrir mão de suas raízes italianas. Diz D’Agostino: "Pensei em manter alguns parâmetros como ingredientes italianos, amaros, aperitivos e vermutes".
Um dos destaques da carta, que traz hoje seis novos drinques, é o Garibaldi, que leva amaro, suco de laranja e espumante. Versão de martíni que leva gin, o Il Martino, desta vez, ganhou aperitivo Bianco e, para completar, um destilado grego de uvas.
Os coquetéis custam a partir de R$ 55. A entrada ao bar exige mais R$ 50, por pessoa.
"Em um espaço como esse, não é possível inventar a roda", brinca D'Agostino. "Não dá para competir com a vista. Não posso simplesmente fazer um drinque tipo pavão. As pessoas vêm aqui para tomar, vamos lá, um dry martíni. Precisa ser uma bebida fácil, porque ela é a intersecção com o ambiente."
Do salão acarpetado, no topo do Edifício Itália, acessível após dois lances de escada a partir do restaurante, se tem uma visão impressionante de diferentes pontos da cidade.
Mira-se a Catedral Metropolitana de São Paulo, a Sé, a avenida Paulista. O prédio da prefeitura também é avistado.
Obra icônica de Oscar Niemeyer, o Edifício Copan, de formato em "S", está bem ali, diante de nossos olhos. Sentido norte, são descortinados os desenhos das ondulações da serra da Cantareira. Do outro lado, a visão segue até os "limites" da cidade no Pico do Jaraguá.
Dentro do Bar do Terraço, os móveis de madeira maciça são os mesmos do período da inauguração, dos anos 1960, assim como as mesas de mármore e imbuia. Peças coloridas de porcelana chinesa rompem a paleta discreta ao completar a decoração do ambiente.
Já do lado de sons e ritmos, a programação é pautada para se encaixar na agenda da semana.
Curadora musical da casa, Joice Oliveira, 40, explica que, de segunda a sábado, para cada dia da semana, o bar aposta em um gênero específico.
"Na segunda, por exemplo, temos ‘soul’, ‘groove’ e também muita brasilidade com a cantora e compositora Flávia K. Já na quinta, o cantor Hugo dedica-se mais ao rock e ao blues", lista. Sexta, o bar vai de trio. O Living Room Jazz trafega por uma programação mais eclética, com um repertório que inclui de David Bowie a Tom Jobim.
Local que já registrou presenças históricas, como as do arranjador norte-americano Ray Conniff (1916-2002) e do cantor Frank Sinatra (1915-1998), o Bar do Terraço mantém, à noite, uma luminosidade intimista para não competir com a claridade externa urbana, que parece infinita.
Vez ou outra, a luz acesa por algum dono de celular à procura de selfies quebra esse clima, digamos, "noir". Enquanto se beberica, e o corpo vacila ao som de uma musiquinha agradável, quem há de reclamar? Ainda mais diante daquela vista acachapante.
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