Foi marcado para as 18h30 de segunda-feira, 1º de abril, o início da histórica bebedeira em celebração a Luiz Nozoie, dono de boteco que deixou muitos órfãos na boemia paulistana.
E põe muitos nisso.
Às 17h02, o portão do Bar do Luiz Nozoie já estava erguido. Uma pequena multidão se aboletava no balcão e nas mesas armadas na calçada.
Às 18h01, a fila para comprar fichas de comida já media meio quarteirão. Às 18h45, a CET-SP colocava cones na avenida Cursino para inverter a mão de uma faixa.
A clientela do bar já não cabia na calçada e agora ocupava a faixa de ônibus. Os órfãos do seu Luiz literalmente pararam o trânsito na Saúde, zona sul de São Paulo.
O velho Nozoie foi homenageado num ritual que caiu em injusto desuso: beber o morto. Família e amigos organizaram uma festa que teve a participação de chefs de 13 restaurantes e bares, além de um presunto cru que foi fatiado até o osso.
Mauro Ferrari, do bar Arancino, vendeu bolinhos de risoto com bochecha de porco. Rafael Kodato, do Bao Hut, preparou um cheiroso curry japonês de moela de frango.
Digo cheiroso porque não encarei a longa fila para comprar o rango dos chefs convidados. Um deles, Lierson Mattenhauer Jr, do Xepa, teve piedade de mim e ofereceu uma provinha se seu tartar de porco. Sim, porco cru. Estava fantástico.
Dídio, genro do seu Luiz, circulava com uma garrafa de uísque e um copinho de shot. Macallan 12 anos? Claro que aceito.
Compenetrado, o neto Fábio Nozoie se esforçava para dar conta da enxurrada de pedidos das mesas e da galera que se espremia em pé no balcão. Foi lá que eu me encostei enquanto deu.
Conversei brevemente com a Márcia, filha de Luiz, mãe de Fábio e mulher de Dídio. Ela é a guardiã das receitas que há seis décadas fazem os botequeiros mais abnegados cruzarem a cidade.
"Até quem não come gosta", diz Márcia sobre o jiló em conserva no vinagre, com cebola crua e pimenta. Pedi. Se você acha que não gosta de jiló, é porque ainda não comeu o jiló da Márcia. Palavra.
Depois do primeiro xixi, não consegui mais me aproximar do balcão. Fui para o asfalto desfrutar da balbúrdia ao ar livre.
Já é tradição dos Nozoie receber chefs convidados às segundas-feiras. É o dia da semana em que muitos restaurantes não abrem, dão folga aos funcionários. E os cozinheiros aproveitam a folga para trabalhar, vá entender.
As segundas dos chefs lotam o bar, majoritariamente, com gente que atua na gastronomia —outros chefs, donos de bares, sommeliers, jornalistas e assemelhados.
Nada como se viu na despedida do seu Luiz. A festa levou à Saúde veteranos da comunidade nipo-brasileira e praticamente todo mundo com alguma ligação sentimental com o Bar do Luiz Nozoie.
Todos que estavam lá guardavam memórias com o boteco e seu dono. Algumas vívidas, outras pouco nítidas, borradas pela birita.
A do jornalista Alexandre Carvalho, ex-colega que encontrei por acaso na festa, é do tipo inesquecível. "Eu estava bebendo ali" —aponta para um canto do bar— "quando minha irmã veio correndo para avisar que nosso pai havia morrido". Foi em 22 de janeiro de 2000, um sábado.
A morte, para a surpresa de absolutamente ninguém, foi assunto em muitas das rodinhas. O riso, abundante, era também melancólico.
Ninguém estava lá pela comida (que acabou cedo) nem pela bebida (obtê-la exigia esforço hercúleo), muito menos para curtir a noite com conforto.
Quem foi ao bar do Luiz na segunda-feira saiu de casa ciente de que havia um perrengue incluso no programa. Algo lhe dizia que era a coisa certa a fazer.
Os órfãos do seu Luiz precisavam oferecer-lhe um último brinde. E assim foi. Vida longa ao Bar do Luiz Nozoie!
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