Um homem de cabelos quase brancos elegantemente penteados com gel, com máscara no rosto e braços cruzados para trás, observa o movimento agitado dos carros que cruzam a rua Santo Antônio, no Bexiga, no centro de São Paulo.
Ele está em frente a um sobradinho estreito construído em 1910, pintado com as cores da bandeira da Itália —vermelho, branco e verde— e com um letreiro que indica o nome do estabelecimento que abriga, o Amigo Giannotti.
Antônio Luis Giannotti é o próprio amigo que dá nome ao bar fundado há cinco décadas, um dos mais tradicionais da região. Aos 90 anos, Antônio recebe a clientela e circula pelo salão servindo cervejas geladas e petiscos com a disposição de um garoto.
Filho de imigrantes italianos, nasceu no bairro de Santana, na zona norte, e se mudou para o Bexiga ainda criança. "Meu pai se situou aqui e ficou. Conheço o bairro desde moleque, quando só tinha morro", lembra.
Antes de se dedicar à botecagem, Giannotti foi alfaiate, comandou uma borracharia, consertou de carros a fogões. Já fez de tudo. "Minha vida foi essa, só trabalhando. Sempre trabalhei assim, para lá e para cá."
Em 1969, comprou o sobradinho na rua Santo Antônio e, ao lado da mulher, Midya Carmelingo —Giannotti a quem até hoje, agora viúvo, chama carinhosamente de patroa—, abriu o Amigo Giannotti.
Começaram servindo massas e petiscos no almoço. Não demoraram a perceber a crescente vida noturna da região e passaram a atender até de madrugada a partir de meados dos anos 1970. "O Bexiga, naquela época, era o bairro da boemia", diz.
O boteco virou ponto de encontro daqueles que frequentam os teatros e baladas da região, do começo ao fim da noite. Quando o salão lota, o que não é difícil, o movimento transborda para as calçadas.
As cores da Itália também estampam as paredes do interior da casa, decoradas com objetos antigos e bugigangas —capacetes de Exército, moedores de carne, camisetas de times de futebol e até um jacaré empalhado.
O cardápio é simples –seis rótulos de cerveja, dois tipos de vinho e doses de pinga com mel. Entre os petiscos, reina a fogaça, um salgado cuja receita foi herdada da mãe de Midya, com massa frita e 15 opções de recheio farto. Em tempos mais movimentados, o bar chegava a vender até 150 salgados desses por noite.
A campeã de pedidos é a marguerita, com muçarela, tomate e manjericão envoltos em uma massa incrementada com Doritos —sim, o salgadinho— para dar crocância, por R$ 27. Outro destaque é o nhoque da fortuna, servido todo dia 29 de cada mês, como manda a tradição italiana para atrair sorte e dinheiro.
Aos 52 anos, o Amigo se mantém fiel ao estilo "boteco raiz", servindo praticamente o mesmo menu de sempre naquele ambiente de decoração improvisada.
Hoje, a casa abre de quarta a domingo, a partir das 16h, e fecha por volta da meia-noite. "Se der para ir mais, a gente vai", diz Giannotti. Ele recorda o agito do passado. "A madrugada era bonita, a gente trabalhava a noite toda, saía lá pelas 8h da manhã."
Mas os tempos são outros. Quando a badalação migrou do centro para bairros como a Vila Madalena em meados dos anos 1990, o Bexiga perdeu parte do seu status de reduto boêmio —título que volta a recuperar. Além disso, como não poderia deixar de ser, a pandemia de Covid-19 abalou o movimento da região.
"Tem uma clientela antiga que vem, mas a turma ainda está com medo de beber. Essa semana até me assustei, vendi só meia caixa de cerveja", diz Giannotti. Apesar de estar fechando a casa mais cedo, ele não desanima. Quando reabre as portas do bar, renova sua simpatia para receber a clientela que aparece para petiscar, beber e bater um papo com o amigo Giannotti.
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