As credenciais do Bar do Jão impressionam. É o atual campeão nacional do concurso Comida di Buteco, título que conquistou pela segunda vez; na fase paulistana da competição, já ficou quatro vezes com o caneco.
Um evento marqueteiro não basta para coroar o Bar do Jão como o melhor do Brasil –por outro lado, é compreensível que os donos do lugar exibam o troféu com orgulho.
Apesar de multipremiado, o Bar do Jão pouco aparece em guias como este. Fica na Penha, zona leste, muito longe dos circuitos destacados pela mídia acomodada além da Radial e do Minhocão. Existe vida fora de Santa Cecília. Eu precisava vê-la com meus próprios olhos!
Saio do home office em Perdizes e, uma hora de Uber mais tarde, chego ao Jão. O bar está numa área de comércio popular bem no centro da Penha, muito movimentada ao anoitecer.
É pequeno. E é um boteco de verdade, com estufa de torresmos e um português atrás do balcão. O raio gourmetizador ainda não chegou à Penha. Só essa constatação já faz valer a viagem: dado o currículo de prêmios, eu imaginava uma casa mil vezes ampliada e remodelada, com puxadinhos que diluem a alma do lugar.
Não falta alma ao Bar do Jão. Garçons e clientes se tratam como amigos. Quero participar. Quando o garçom abre mais uma cerveja, pergunto seu nome. Ele responde: "Nego". O freguês da mesa ao lado se intromete amistosamente: "Eu sou o advogado dele".
Quanto a mim, eu carrego uma placa enorme que diz "forasteiro". Meu amigo, mais forasteiro ainda (carioca), sugere que peçamos para abaixar o som ambiente de forró, samba e sertanejo. Melhor não, respondo. Ele assente.
Hora de petiscar. Vamos de dois clássicos de qualquer boteco que pretenda ser o melhor de algum lugar: torresmo (R$ 24) e pastel (R$ 26, seis unidades).
O torresmo vem em segundos, diretamente da estufa. É bom para um torresmo de estufa, com os esperados pedaços duros demais ou moles demais ou encharcados demais.
Já os pastéis são fritos na hora e chegam em dois sabores (carne e queijo), com dois molhos (barbecue e alcaparras). Fritura correta, sequinha, carne bem temperada, eu trocaria os dois molhos por um vinagrete de feira.
Passamos ao repertório original, ao petisco que deu ao Bar do Jão a vitória no concurso de comidas de boteco: as lascas madeirenses da vó Encarnação (R$ 49,90).
Não há descrição no cardápio, mas Nego capricha no verbo: "São lascas de bacalhau do Porto dessalgadas em gelo por três dias, com molho branco, parmesão e cebola crispy; acompanham chips de mandioca e pesto com amêndoas e gengibre".
Aqui a cozinha do Jão mostra a que veio. O bacalhau tem textura perfeita e sabor suave, o molho branco passa longe de ser enjoativo. O crocante de mandioca faz as vezes do pãozinho, sem interferir nem empapuçar. O pesto acrescenta camadas extras de aroma e acidez. Tudo funciona bem.
Por volta das 21h, o movimento já caiu bastante –tanto no bar quanto nos arredores.
Antes de pegar o Uber de volta, troco algumas palavras com João Nunes, nativo da Ilha da Madeira, que está no caixa vestindo um jaleco azul de português de boteco.
Simpaticíssimo, seu Jão diz que tem sotaque suave porque vive no Brasil desde 1962. O bar foi aberto em 1994, e quem está à frente do negócio é Alexandre, filho do fundador.
É o melhor bar do Brasil? De São Paulo? Os clientes do Jão dirão que sim, e eles têm uma montanha de prêmios para comprovar. Isso é o que faz um bom boteco: uma freguesia fiel e aguerrida como torcida de futebol.
Nenhum ranking de botecos deve ser levado a sério demais. Você pode avaliar uma birosca pela qualidade da comida, pelo serviço, pela higiene, mas tudo isso significa muito pouco.
O que conta de verdade é subjetivo, é passional, é a conexão que o bar estabelece com a comunidade de frequentadores. A Penha não é a minha comunidade, e só por isso eu roubo do Jão uma estrela na minha avaliação 100% pessoal. É um baita bar, visite quando tiver chance.
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