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Restaurantes

Lobozó celebra a cultura caipira investigada em livro

Sociólogo se junta a dois chefs para mostrar cozinha ancorada no frango, no porco e no milho

São Paulo

Lobozó

Na atual conjuntura, em que duas forças brutais sufocam a cultura —o governo e a pandemia—, é esperançoso acompanhar o nascimento de um restaurante como o Lobozó.

Ele surge alicerçado em uma pesquisa profunda da cozinha caipira, registrada em uma obra inovadora, que rompe com a lógica tradicional da divisão do território brasileiro.

Seu legado é o desenho da Paulistânia, área que se esparrama por estados como São Paulo, Minas Gerais e Goiás, cujo substrato comum é uma culinária ancorada no milho, no porco, na galinha, no feijão.

Essa cozinha desprezada, alijada do nosso cotidiano por representar um caipira estigmatizado, itinerante e miserável, ganha concretude e autoridade no cardápio construído pelos chefs Gustavo Rodrigues (Quibebe) e Marcelo Corrêa Bastos (Jiquitaia e Vista) junto do sociólogo Carlos Alberto Dória. Estes últimos autores de "A Culinária da Paulistânia" (editora Três Estrelas).

São preparos que colocam em evidência as particularidades de uma cozinha trivial, reconhecível, que sobrevive no imaginário e provoca a memória.

Frango assado do restaurante Lobozó
Frango assado do restaurante Lobozó - Luiza Fecarotta/Divulgação

Em uma televisão de cachorro se assa porco e frango caipira. Este, criado solto e abatido tardiamente em relação ao industrial, resulta parrudo, com carne mais firme e avermelhada. No Lobozó, é recheado com o mexido que batiza a casa, de farinha de milho, ovo, linguiça e vegetais.

O feijão gordo, enriquecido com milho e abóbora, faz referência ao universo alimentar dos guaranis. Linguiça, pé e orelha de porco lhe dão ainda mais robustez, e seu preparo marca a retomada da banha, que passou a ser demonizada depois de cumprir um papel central na conservação das carnes.

A cada dia pode haver um cuscuz paulista. Camarão, porco ou galinha —mas sempre cozido ao vapor, cocção que o particulariza. A paçoca, feita com a farinha de milho de uma antiga fecularia do interior, amendoim torrado e açúcar, contrasta com os exemplares industriais. Ambos são caminhos para sensibilizar o comedor contemporâneo às sutilezas de ingredientes comezinhos e formas de preparo.

Há espaço para licenças poéticas. Eis a salada de chuchu com camarão e a sororoca cozida no vácuo guarnecida por um pirão com caldo de azul marinho, emblema da cozinha caiçara feito com banana-verde na panela de ferro.

Ainda que a casa tenha inaugurado somente para entrega e retirada, com uma mercearia caipira, já deixa transparecer certa alma de boteco. Há a promessa de petiscos de enorme singeleza, como as saladas de moela e de jiló.

O Lobozó surge, portanto, como uma possibilidade de suplantar o afastamento dos antigos modos de comer e o empobrecimento do gosto, e provocar o paulistano para que aprenda a diferenciar um frango de um frango.

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