Quase como miragem, o neon vermelho decorado com coqueiros que ilumina a esquina da avenida Paulista com a rua da Consolação, no centro da capital, anuncia aos notívagos que ali há abrigo e a chance de um último drinque antes da volta para casa.
O luminoso guarda a entrada do Riviera, desde 1949 aos pés do edifício Anchieta, que passou a funcionar 24 horas por dia em fevereiro deste ano —uma raridade na São Paulo de hoje. O local estava fechado desde o início da pandemia, em março de 2020, e foi reformado.
Depois das 2h, quando surpreendentemente a capital paulista parece dormir, o balcão e o fumódromo da casa ficam cheios de grupos de amigos e alguns casais, sobretudo com um público jovem e LGBTQIA+. Enquanto conversa e a noite avança, o pessoal toma drinques, como o rabo de galo (R$ 29) ou o fitzgerald (a partir de R$ 34). Nos pratos, reinam as pizzas brotinho (entre R$ 36 e R$ 38).
Há um motivo determinante para o espaço atrair cada vez mais gente nas madrugadas: bares abertos até altas horas se tornaram raridade em São Paulo depois que o Psiu, o Programa de Silêncio Urbano, estabeleceu em 2016 que locais que vendem bebida alcoólica não podem funcionar entre 1h e 5h sem adequação acústica.
Com isso, as opções que restam para os notívagos são lanchonetes, padarias e baladas, com bares de portas fechadas. E o cenário piorou com a pandemia de Covid-19.
O fechamento noturno ocorre até em tradicionais redutos boêmios, como a Vila Madalena. Hoje, quem chega depois da meia-noite à região da rua Aspicuelta, o epicentro dos barzinhos da região, logo recebe o aviso de que as casas ficam abertas só até a 1h e ponto, como manda a lei.
"Desde fevereiro, a fiscalização da prefeitura está muito rigorosa em relação ao horário de funcionamento de todos os bares da Vila Madalena. Eles estão obrigando o fechamento das casas, independentemente de estar tocando música ao vivo ou fazendo barulho", diz Cairê Aoas, que comanda o grupo Fábrica de Bares. A empresa administra o Filial, boteco que era conhecido justamente por funcionar até altas horas na Vila Madalena, e o próprio Riviera, além de outros clássicos da cidade.
Em nota, a prefeitura afirmou que "não importa se os frequentadores se encontram em área externa ou interna do estabelecimento, o local deve possuir adequação acústica e não pode gerar nenhuma incomodidade aos vizinhos".
A gestão de Ricardo Nunes, do MDB, também disse que houve um aumento no número de reclamações contra o ruído produzido pelos bares da Vila Madalena após o afrouxamento da quarentena, assim como em outras regiões da cidade, como a Mooca e a Sé.
Salpicado por muxoxos soltos por empresários, o aumento da fiscalização da prefeitura vem no embalo do fim das restrições de funcionamento de bares e restaurantes impostos pela quarentena, em agosto de 2021, e do avanço da campanha de vacinação contra a Covid.
"O Riviera tem tratamento acústico e não tem música ao vivo", reforça Aoas. E agora que está sempre aberto, o sinuoso balcão de fórmica vermelha tem recebido um pessoal animado depois que os bares dormem, especialmente quando o fim de semana se aproxima.
"Quintas, sextas e sábados são os dias em que a casa mais bomba, das 19h às 7h", diz Pedro Xavier, 25, gerente do local desde a reabertura. "Nestes dias, principalmente das 2h às 5h, o nosso medidor de público é bem cheio."
"Todas as vezes em que vim ao Riviera foi por acidente", conta o pintor e roteirista Miguel Nassif, 27, que chegou ao bar na madrugada do último dia 2, numa quinta-feira, para encerrar a noite. "Você passa em frente e lembra que aqui está aberto para uma última cerveja. Isso é valioso."
Nesse horário, o público se concentra em volta do balcão e na área de fumantes —das 3h às 7h, o mezanino da casa fica fechado ao público para limpeza e manutenção.
"Achei que só fosse ter acompanhantes", brinca a designer de moda Ana Cristina Santos, 30, que ainda não havia ido ao endereço durante o lusco-fusco paulistano. "Achei uma boa opção para o fim de noite."
Bar histórico da boemia paulistana, especialmente entre o final dos anos 1960 e o começo dos anos 1990, o Riviera chegou a fechar as portas no começo dos anos 2000. Foi retomado pela dupla Facundo Guerra e Alex Atala em 2013 e está sob a tutela do grupo Fábrica de Bares desde 2019.
Nassif, o roteirista, considera que a abertura em tempo integral mira um retorno dos tempos áureos da casa, que recebia gente como Chico Buarque e apareceu nas letras de "Clara Crocodilo", de Arrigo Barnabé. "Mas não vai rolar. Agora a casa está muito empetecada", avalia, sobre a nova fase. "Isso de ter que dar o CPF para abrir a comanda é o fim da picada."
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