A banda ainda não está no palco, mas uma multidão já ensaia os passinhos de "line dance", modalidade na qual os participantes ficam em linha e dançam juntos uma coreografia. Senhoras, senhores, jovens, mães com filhos, casais e solteiros de plantão formam uma fila em que cada um pode colocar seu estilo na pista, desde que o giro seja coletivo. Ao contrário da canção de Tim Maia, ali pode dançar homem com homem e mulher com mulher.
"Aqui vale", diz a professora de dança Giane Almeida, de 57 anos, 32 deles dedicados a aulas e bailes. Devidamente "traiada", expressão usada para descrever alguém vestido ao estilo "country", com chapéu, franjas e botas, ela explica que o propósito da coreografia é unir as pessoas. "É muito emocionante ver todo o mundo dançando junto."
Passa da meia-noite de sexta-feira, quando o trecho da avenida Francisco Matarazzo, perto do parque da Água Branca, está totalmente travado. Ainda tem gente buscando estacionamento, assim como há outros tentando entrar na Villa Country, o maior complexo musical dedicado ao gênero sertanejo no Brasil.
Lá dentro, o espaço Saloon está tomado. Enquanto baila, a galera reproduz os movimentos da coreógrafa Almeida, que naquele instante está em cima do palco, acompanhada por outras duas dançarinas, todas, é claro, devidamente "traiadas".
No momento em que a cortina bordô volta a se abrir, o público entra em delírio. Os seis integrantes da Villa Country Band emendam uma série de hits "countries", como "Chattahoochee", de Alan Jackson, e "Man! I Feel Like a Woman", de Shania Twain.
"Antes, a gente tocava 90% de ‘country music’", conta Carlos Anhaia, líder do grupo. Com cabelão comprido e pinta de roqueiro, fã de Beatles, David Bowie e The Cure, Carlinhos, como é conhecido, explica que a banda foi aos poucos cedendo ao apelo popular e abraçando o sertanejo. "Hoje é quase 100% sertanejo, de raiz ao que saiu na semana", diz ele —a banda tem três CDs gravados, com 18 músicas autorais.
A plateia vem se renovando. "Tem gente que frequenta a casa desde que abriu, há 22 anos, mas tem também a molecada, que nem tinha nascido quando inauguramos." Agora, a galera é mais eclética. "Aquela época de intolerância não cabe mais em nenhum lugar."
Um dos personagens que habitam a Villa desde os seus primórdios é o investigador Elio de Andrade, 68. Diz ele ser sertanejo desde a década de 1960. "São Paulo é a cidade mais sertaneja do Brasil, porque tem muita gente aqui que veio ou que é do interior", afirma. Nascido de parteira numa fazenda nos arredores de Ocauçu (SP), desde garoto, mora em São Paulo. De chapéu, bota e cinto com fivela, conta que a casa promove "uma interação coletiva, independentemente de origem social, raça ou orientação sexual".
Vinte e poucos anos atrás, o espaço mantinha suas raízes fincadas tanto no "country" norte-americano quanto no sertanejo caipira, tipo "modão de viola", com predominância hétero, opina o empresário Lázaro Inácio da Silva, 46, um, nas palavras dele, caubói da Aclimação. "No começo, não podia entrar de tênis. Isso aqui era uma espécie de Fashion Week sertaneja."
Hoje, os frequentadores são "bastante diversos", diz o empresário, que bate bota no salão duas vezes por semana, sempre "traiado". Solteiro, afirma que "pega, mas não se apega".
Perto das duas horas da madrugada, a lotação persiste em praticamente todos os sete ambientes da casa, entre os quais a área de comensais. Repleto de fotos e imagens do lendário ator e cineasta John Wayne (1907-1979), o restaurante tem capacidade para receber 160 pessoas. Algo raro na maior cidade do país, funciona de quinta a domingo até as 3h.
Quem faz reserva ou chega no máximo às 23h não paga para entrar na casa. Após o jantar, dá para curtir a balada, exceto em dias de shows estrelados.
"No dia da inauguração, estava repleto de gente famosa na plateia, e nós lá em cima, fazendo o show. Depois, tivemos várias participações especiais em outras apresentações. A inauguração foi uma data marcante. Agora, que está completando 22 anos de história, segue adiante e se tornou a principal casa de música sertaneja do Brasil, dando oportunidades para novos nomes e sediando grandes shows com os maiores artistas do país"
Rionegro,
Cantor e compositor, que faz dupla com Solimões
Como estamos em território "country", a carne bovina é soberana no cardápio. Entre grelhados na brasa, há, porém, opções de massas, risotos e saladas. O menu oferece 22 opções. Um dos mais pedidos, o medalhão de filé-mignon ao molho tarê sai por R$ 65. Acompanhado de arroz e fritas, o bife de chorizo custa R$ 110. O brigadeiro de colher (R$ 22) é equilibrado, sem exagerar no açúcar ---a receita é de um dos donos da casa, Marco Antonio Tobal, de 70 anos; a família é sócia ainda do Espaço Unimed, Expo Barra Funda e da Áudio, todos na mesma região.
Como a própria junção de palavras indica, o Cacauchaça, mistura de cacau com cachaça envelhecida em barril de amburana por dois anos, vale R$ 35. O drinque traz certa brasilidade descontraída ao ambiente mais sóbrio, dominado por madeira e peças decorativas no estilo Velho-Oeste.
Para a ambientação da casa, uma equipe foi aos EUA garimpar mobiliário em fazendas dos estados do Texas e do Colorado e na região de Nashville, Tennessee, o berço da "country music". Quatro contêineres vieram de lá abarrotados de quadros, rodas de diligências, adornos, roupas de época, chifres de touros e cervos, que decoram paredes e lustres. Há ainda duas peças raras: um fogão a lenha de ferro fundido, de 1829, e uma estátua de cavalo que mede 2,5 m de altura e pesa 350 kg.
Não à toa, o lançamento da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos acontece por lá há 15 anos. A ornamentação foi propícia para a festa de lançamento das novelas "América", de Gloria Perez, que tinha um núcleo voltado para o mundo dos rodeios, e "Bang Bang", "western" feijoada, criado por Mário Prata e Carlos Lombardi, ambas de 2005. Como a casa é muito ampla, os seus 12 mil metros quadrados já foram usados nos últimos anos também para abrigar convenções de distintos partidos, como PSDB, PT e PL.
Espécie de Disneylândia caipira, a Villa costuma agregar um público de 25 a 45 anos. A olho nu, parece equilibrado entre gêneros.
Gleice Domingues, 33, advogada, se diz eclética, mas é apaixonada por música sertaneja. Moradora de Osasco, gosta de "se montar". Desfilava entre os ambientes da casa de salto alto e vestidinho cravejado de lantejoulas, Peças, opina, indispensáveis para compor um look feminino com certa dose de sensualidade.
O lugar, é claro, também é um ambiente para dar vazão aos apaixonados. Afinal, cantinhos para pegação não faltam.
Vindos do Tatuapé, zona leste paulistana, Leandro Bertolini, 40, diretor de tecnologia, e Alessandra, 47, "ficaram" pela primeira vez, duas décadas atrás, num show na Villa. Casaram-se e têm um filho de 14 anos. Volta e meia, estão na casa, endereço escolhido pelo casal para comemorar o aniversário da mulher, na sexta, dia 30 de setembro.
Na noite do último dia 6, Fabiana Vieira, 49, de Barueri (Grande SP), também estava lá para celebrar o "níver" da filha, Manuella, que completou 21 aninhos. Acompanhada dos dois outros filhos, Mirella, 22, e Murilo, 27, a mãe conta que toda a família dela mantém um vínculo com a praia. Ela não: "Adoro o mundo rural, vivo de bota. Até o cheiro de bosta de cavalo me traz tranquilidade".
Como prega a canção "Peão Apaixonado", clássico de Rionegro & Solimões, dupla que, por sinal, inaugurou a casa, "pula boi, pula cavalo, pula cavalo e boi". Pula todo o mundo, com chapéu, bota, tênis ou pochete, numa festa que só se arrefece quando raia o sol.
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