É preciso deixar muito claro: o Santokki não é um restaurante coreano. Tampouco japonês. Os chefs o definem como um "asiático sem regras" no perfil do Instagram. Mas o resultado é uma espécie de cosplay, deixando perdido quem quer conhecer mais sobre a Coreia do Sul, hoje tão em alta na cultura pop.
A casa foi aberta na Vila Madalena pelos mesmos donos do De Segunda e De Primeira no início do mês, cercada de hype e com salão cheio. O restaurante surfa na onda de popularidade da gastronomia e cultura asiática, sobretudo a coreana, com uma estética descolada.
O nome é coreano e significa coelho da montanha —é também referência a uma música infantil daquele país. O cardápio vem escrito em coreano. Na entrada, há uma geladeira abastecida de soju. Mas falta o principal: a comida coreana.
Uma das poucas opções que remete a uma receita coreana é o bibimbap (R$ 52), que passa longe do tradicional prato de arroz mexido. Na versão servida pela casa, arroz, carne moída, kimchi, dashi e conservas (como de cogumelo e maxixe) são misturados e fritos na wok e despejados em uma cumbuca, que é mero enfeite. Ainda finalizam com maionese Kewpie e katsuobushi, ingredientes japoneses.
No preparo original, o bibimbap chega à mesa com arroz cozido e toppings, que incluem carne, ovo e vegetais, como cenoura e broto de feijão —mas nada de conservas—, acomodados na cumbuca. O comensal mexe na hora, seguindo seu próprio gosto. É indispensável o gochujang, pasta de pimenta fermentada, geralmente servido à parte. No lugar, os chefs servem um molho de pimentas jalapeño, biquinho, malagueta e dedo-de-moça.
A atração principal é o churrasco coreano, preparado em grelhas sobre carvão instaladas nas mesas. O combo (R$ 168) traz acompanhamentos e três cortes crus grossos —o oposto do churrasco coreano, com fatias finas. Mais parece o brasileiro. Mas aí dão tesouras para cortar a carne e pronto, vira uma experiência dos k-dramas —doramas são as produções do Japão.
Para piorar, os acompanhamentos são japoneses. Usam alga para montar a trouxinha. O arroz é "gohan", em vez de "bap", e leva furikake. Tem ainda salada de repolho com molho de gergelim, conserva do dia, tempurá de cogumelo e berinjela teriyaki. O único que se salva é o kimchi.
A conserva fermentada típica da Coreia do Sul é feita pelos próprios chefs, que fermentam a acelga à vácuo por uma semana. Falta a picância essencial do kimchi, e o sabor lembra mais um picles.
A única sobremesa fica perdida no menu. A raspadinha (R$ 20) consiste em gelo triturado que vira pedra e em poucos minutos derrete sobre o creme de iogurte com chocolate branco, pasta de jabuticaba, pedaços de morango, azeite de coentro e coentro.
A porção de guioza (R$ 32), que demorou 1h30 para chegar, após várias cobranças, tem três guiozas de carne suína regados com chili oil e molho de amendoim. Por cima, uma folha de acelga chamuscada. A porção exemplifica os pratos que parecem uma mistureba de temperos e ingredientes, que mal são diferenciados na boca.
A lógica do endereço, que compila diferentes referências no menu, até pode funcionar nos outros três restaurantes badalados da dupla Júlia Tricate e Gabriel Coelho, que mesclam toques de chef com receitas de boteco.
Mas no Santokki, que não teve consultoria para criar o cardápio, fica perdida, assim como o público.
Comentários
Ver todos os comentários