Fechado durante a pandemia, o restaurante Tuju, premiado internacionalmente, voltou à ativa com outra encarnação. Enquanto o chef Ivan Ralston aguarda para reabrir a casa em outro local, o mesmo ponto abriga desde setembro o Tujuína —versão com conceito mais informal, intenção mais familiar e calorosa, mas com a mesma visão culinária.
E que visão é essa? Depois de ter apurado sua formação em viagens de trabalho pelo mundo, Ralston produz um cadinho de influências que apontam para o Brasil, ou mais especificamente para São Paulo, como referência.
Uma São Paulo múltipla, com camadas que apontam para diversas direções. A mais sólida é a localização geográfica, já que o Tujuína toma como referência ingredientes trazidos de diferentes regiões do próprio estado.
A matéria-prima é amalgamada em sabores que retomam várias tradições. Pode ser a cozinha caipira dos antepassados ou a dos imigrantes, brasileiros ou não.
O carapau marinado da Liane (R$ 38), por exemplo, evoca os arenques marinados das famílias judaicas —como a de Ralston. Ali, o peixe tem a marinada forte amenizada com salada de batatas, que dá delicadeza. A torrada crepitante que acompanha é especial.
O joelho de porco, com feijão manteiguinha, abóbora com tahine e chucrute de repolho (R$ 108) é um mosaico de referências. A carne, como o feijão, poderia ser de algum sertão do Brasil, mas também, com o chucrute, lembrar a comunidade alemã, sem falar dos libaneses, que tanto prezam o tahine.
O resultado é uma mescla provocante de sabores, embora às vezes conflitantes. Mas talvez falte um elo de ligação com a tradição brasileira.
Das aquisições do litoral vêm receitas instigantes, com temperos provocativos. Vide entradas como os mexilhões com pimentão e coentro (R$ 46). Como principais, a garoupa na brasa com vinagrete de banana (R$ 148): o peixe tem as escamas removidas, fritas e recolocadas, sabor intenso que contrasta com a delicadeza da carne.
Surpresas podem acontecer numa entrada que lembra a capoeira das fazendas, mas que traz também o mar —o ovo de pata com canjiquinha, ora-pro-nóbis e creme de ouriço (R$ 56). Mas uma referência familiar vem da migração italiana: ravioli de alcachofra (R$ 58), realçado com raspas de bottarga, tirinhas de laranja e folhas de sálvia.
Vegetarianos podem socorrer-se com pratos que valorizam os ingredientes, como tomate temperado com alho negro e tucupi (R$ 55) e a couve-flor com molho romesco, cebola na brasa e acelga (R$ 68).
Uma sobremesa emblemática da casa tem origens nos tempos do Tuju —na atual versão, o pingado (R$ 32) é um café com leite em diferentes texturas. É um final tão reconfortante quanto a rabanada de pão de milho com sorvete de paçoca (R$ 28).
A ideia de servir pratos mais avantajados do que os do antigo menu-degustação, com a intenção de serem compartilhados, é sempre simpática. Mas também sempre me incomoda, por segregar quem está sozinho na visita à casa.
Se, num dia de fome e sem companhia —o que pode ocorrer com qualquer um, sobretudo solteiros e críticos gastronômicos—, você decidir passear por couvert, petiscos, entradas, pratos e sobremesas, será punido com comida (e preços) demais. Que tal haver também opções para o gourmet solitário?
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