Chefs badalados fazem marmitas na Ocupação 9 de Julho e vendem por delivery a R$ 30

Quentinhas de projeto são preparadas por nomes como Helena Rizzo, do Maní

Entrada do Ocupação 9 de Julho, na região central de São Paulo

Entrada do Ocupação 9 de Julho, na região central de São Paulo Marlene Bergamo/Folhapress

São Paulo

Os domingos são dias agitados na cozinha comunitária da Ocupação 9 de Julho, na região central de São Paulo. Mesmo com a maioria das áreas comuns e a agenda cultural esvaziadas por causa da pandemia, o espaço continua sendo o coração da casa.

“É aqui que a gente gosta de receber o pessoal ”, conta Carmen Silva, líder do Movimento Sem-Teto do Centro, o MSTC. “A cozinha tem esse poder de conectar as pessoas.”

Aos 60 anos, ela zanza para lá e para cá, ora com a mão na massa, ora delegando tarefas e dando atenção a quem aparece por ali —outros líderes comunitários, entregadores, moradores, voluntários, visitantes e a imprensa.

A operação que Silva ajuda a comandar é a produção semanal de cerca de 500 marmitas. As quentinhas fazem parte do Lute Como Quem Cuida, que vende refeições via delivery por R$ 30, muitas vezes preparadas por chefs badalados.

A ação é uma colaboração entre o MSTC e o Movimento Sem-Terra, o MST. A cada quentinha vendida, uma é doada para alguma das 140 comunidades parceiras.

Conhecida pela relação de camaradagem com a classe cultural e artística, a Ocupação 9 de Julho recebe chefs desde 2017 para preparar refeições a preços populares.

Se antes os almoços eram mensais e serviam de acompanhamento para uma animada agenda de atividades culturais dentro do prédio, agora seguem a cartilha da pandemia e são entregues semanalmene via delivery.

Mas a rotina de receber chefs foi mantida —Helena Rizzo, do Maní, Gustavo Rodrigues, do Lobozó, e Janaina Rueda, do Bar da Dona Onça, já passaram e cozinharam por lá. No último domingo, Edson Leite, do Gastronomia Periférica, foi o convidado.

No menu, estavam risoto de azedinha com mandioqueijo, açafrão da terra e hortelã, acompanhado de mandioca frita crocante. “Para mim, é como estar em casa. A maioria da mão de obra das cozinhas é periférica”, comenta. “Além disso, aqui praticamente só tem mulher, diferentemente do que acontece nas cozinhas profissionais.”

Já neste domingo, é a vez da cozinheira Cristiana Junqueira. O menu tem dahl de lentilha vermelha com especiarias, arroz da terra com vinagreira (uma planta alimentícia não convencional), chutney de manga e verduras.

A cozinha conta com 20 moradores e dez voluntários de fora, que se revezam. É o caso da congolesa Hortense Mbuyi. Ela também transformou o espaço no coração de um projeto, batizado de Espaço Wema, que tem como proposta apresentar pratos afetivos da culinária africana por R$ 35. As edições ocorrem quinzenalmente às quartas-feiras, também com entrega via delivery.

Como na versão dominical, há sempre um convidado para comandar as panelas e definir o menu. O próximo será no dia 12, quando a sul-africana Nduduzo Siba prepara "izingingila zenkukhu né rice ne chakalaka ne plantan" —traduzido do zulu, moela de frango, arroz com verduras, banana-da-terra e especiarias.

Embora o agito atualmente se concentre na cozinha, o edifício mantém o clima de complexo cultural dos dias pré-pandêmicos, em que o espaço recebia eventos para milhares de pessoas. A Ocupação 9 de Julho funciona dese 2016 no antigo edifício do INSS, que estava abandonado.

O envolvimento de artistas e agentes culturais com o espaço ajuda a estabelecer a boa relação com os vizinhos, dizem os moradores. Embora discreta, a portinha de ferro que separa o prédio da rua guarda mais do que a residência de 129 famílias.

O que se revela para dentro do portão pode impressionar quem não conhece o espaço. Há ali quadra esportiva, brechó, brinquedoteca, marcenaria, oficina de costura, salas para reuniões. Logo na entrada, um grupo de homens trabalha na criação de uma horta, enquanto faz um churrasco —afinal, é domingo.

Silva conta que o movimento também quer que a futura horta seja aberta para a comunidade. “Vamos criar um grande sistema de compostagem, que poderá ser usado pela vizinhança, além de fornecer chorume e adubo para outras hortas”, comenta.

“Toda a nossa estrutura visa dar autonomia para a ocupação”, acrescenta. E, para ela, trabalhar a consciência e a garantia dos direitos dos moradores é um dos principais caminhos para atingir a autonomia do grupo. “Direito não é assistencialismo. Com o direito, vêm também os deveres.”

Lute Como Quem Cuida

Espaço Wema

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