De bares e restaurantes a casas de shows e baladas, São Paulo vive na pandemia uma explosão pouco vista antes —centenas de vaquinhas virtuais pipocam todos os meses como última tentativa desses endereços de responder e sobreviver aos longos períodos de portas baixadas e às dívidas surgidas por causa da pandemia.
Nessa passada de chapéu, as casas apostam no vínculo afetivo com os clientes e colocam todas as fichas no engajamento das redes sociais para angariar quantias que variam de R$ 30 mil a até mais de R$ 300 mil. Mas, é claro, muitos ficam longe das metas.
Misto de casa de shows, restaurante e bar no bairro de Pinheiros, o Bona Casa de Música estava com a agenda do ano passado lotada quando veio a pandemia. A primeira medida de Manuela Fagundes, sócia do espaço aberto em 2017, foi ter um delivery. Mas o faturamento caiu 90%.
O local até voltou a receber pessoas presencialmente em outubro, com pequenos shows após autorização do governo. Mas tudo voltou a fechar em março deste ano.
“Não é simples fechar, fiz um grande investimento acústico no espaço. Nossos custos são altos e não temos dinheiro para as demissões”, diz Fagundes, a sócia do Bona.
Encorajada pelo financiamento coletivo feito pela Casa de Francisca, espaço de shows e restaurante que recebeu uma onda de apoio em março, Fagundes decidiu dar a última cartada e lançou, no dia 16, uma campanha para captar R$ 60 mil por mês e manter o espaço vivo. Até agora recebeu 10%, ou R$ 6.000.
Com modelo semelhante, a Casa de Francisca, que fica no centro de São Paulo, tem meta mensal de R$ 125 mil —a soma está em R$ 90 mil.
Outro espaço voltado à música, a balada Alberta #3 abriu uma vaquinha para receber R$ 93 mil em 40 dias para pagar aluguel, luz, água e fornecedores atrasados e, assim, evitar um possível despejo.
Na metade do prazo, a casa noturna juntou R$ 25 mil. “Tudo ainda está incerto”, diz Noemi Rosa, dona do local.
Próximo dali, também no centro, a balada Tokyo foi mais um endereço que apostou na vaquinha para sobreviver. Divulgada na terça, dia 27, a campanha não tem meta e, por ora, arrecadou R$ 10 mil. O clube, que ocupa nove andares de um prédio e reúne karaokê, restaurante e bar, já tinha feito um financiamento coletivo no início da pandemia e levantou R$ 7.060.
Segundo dados do serviço de crowdfunding Apoia.se, houve dois picos de vaquinhas no último ano. O primeiro entre março e julho de 2020, o segundo de fevereiro a abril deste ano —ou seja, nas fases mais críticas da pandemia.
Diretora de operações da plataforma Abaca$hi, também de financiamentos coletivos, Nathália Cirne estima que 9.000 estabelecimentos desse setor no país lançaram campanhas no site entre março de 2020 e abril deste ano —cerca de 700 por mês.
O estado de São Paulo foi o que mais movimentou recursos na área. Entre as vaquinhas que estipulam meta e prazo específicos, considerando todos os setores, cerca de 70% atingem o objetivo, afirma a plataforma.
Um dos casos de sucesso é o do bar Ó do Borogodó, que, depois de anunciar que fecharia, gerou comoção e arrecadou R$ 288 mil em 15 dias.
Mas não é a regra. Point entre veganos e jovens que frequentam a rua Augusta, a lanchonete Dona Augusta Vegan recebeu uma enxurrada de mensagens nas redes sociais quando anunciou que passava por dificuldades. A vaquinha que lançou no último mês, porém, não alcançou a meta.
De R$ 38 mil, arrecadou apenas R$ 6.477. Uma campanha anterior, em agosto, captou R$ 8.545. “Não compensa deixar o local aberto”, diz Eduardo Dias, dono da lanchonete ao lado da mãe, Sueli.
No caso do Mira, antigo Mirante 9 de Julho, a reabertura era a esperança para voltar a ter caixa. Mas, no fim de março, o local sofreu um assalto e perdeu cabos de energia, quadros de força, caixas de som e equipamentos de cozinha.
Dulce Santos, que administra o Mira, recorreu a uma vaquinha para tentar levantar R$ 91 mil, pagar uma reforma elétrica, orçada em R$ 41 mil, e quitar dívidas. As doações estão longe de alcançar a meta e somam apenas 1% dela: R$ 920. Caso não arrecade o valor em 20 dias, o espaço deve fechar definitivamente.
Com uma agitada programação de discotecagem, o bar Caracol, na Vila Buarque, teve melhor sorte na campanha que lançou. No primeiro dia, angariou mais de R$ 40 mil. Duas semanas depois, a cifra está em R$ 80 mil. Ainda assim, segundo Millos Kaiser, músico e um dos sócios do espaço, não é o suficiente para manter o local aberto por tanto tempo. “O custo é muito alto e temos uma folha de pagamento enorme.”
Para Henrique Castro, professor de economia da Fundação Getulio Vargas, as vaquinhas até podem ajudar, mas adaptar-se ao delivery e a um modelo de negócio mais restrito é a melhor solução. “Em alguns casos, vale calcular se não é melhor fechar.”
Muitos estabelecimentos apostam nos financiamentos coletivos como um paliativo antes de a vacinação ser ampliada e permitir a volta do público. “Mesmo assim, vamos precisar de dois anos para regularizar a situação”, diz Fagundes, sócia do Bona.
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