Algo acontece quando se cruza a porta giratória vermelha que indica a entrada do Ritz, restaurante instalado em um sobrado na alameda Franca, na região dos Jardins, em São Paulo, que completa 40 anos neste 17 de novembro.
Maior símbolo do endereço, a porta vermelha funciona como um tipo de portal para o visitante, que sai da São Paulo cinzenta para encontrar, lá dentro, os sofás vermelhos, as mesas de tampo de mármore e as lousas com paisagens da cidade desenhadas em giz que dão um clima retrô ao espaço. Ambiente que dialoga com a alma descolada do restaurante que, com suas quatro décadas, continua badalado.
A casa, aberta em 1981 pelo casal Maria Helena Guimarães e Arthur Guimarães (1941-1989), foi pioneira em diversos aspectos, como oferecer vinho em taça, dar a opção ao cliente de escolher o ponto da carne do hambúrguer e de contratar jovens universitários como garçons.
Para entender a história do Ritz, é preciso viajar à Londres dos anos 1960, onde Maria Helena, a Marilove, e Arthur moraram durante sete anos. Por lá, deram aulas de português e trabalharam em restaurantes como "faz tudo", aprendendo os bastidores do negócio. Viveram a efervescência cultural daquela época e trouxeram, na bagagem, influências da capital cosmopolita que incorporariam na hora de abrir o próprio restaurante, em São Paulo.
A ideia da porta vermelha também veio de Londres, e a inspiração surgiu de uma propaganda de um pub dos anos 1970 que Maria Helena viu, cujo jingle dizia: "Two lovely red doors" (duas adoráveis portas vermelhas).
Maria Helena diz que aprendeu a cozinhar na raça. Ao lado do marido, recebia amigos em casa para almoços e jantares —gente como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Zé Celso e Norma Bengell. Ela conta que em um desses jantares ouviu Gil dizer, sobre uma de suas receitas: "Quem não gostar desse cuscuz é burro".
Em 1974, voltaram ao Brasil e decidiram abrir o próprio negócio para ganhar dinheiro. Começaram, em 1980, com uma lanchonete, a Sanduíche, que tinha apenas 13 banquinhos, e servia empadas, sopas e sanduíches frios montados na hora.
A empreitada fez sucesso e a dupla viu que precisava ampliar o negócio. A oportunidade surgiu quando uma amiga ofereceu o ponto no número 1.088 alameda Franca para tornar o Sanduíche em algo maior.
Assim, em 1981 nascia o Ritz, uma mistura de pub e restaurante de comida simples, instalado em um sobrado que antes abrigava uma tinturaria. O cardápio unia receitas de famílias e das viagens e incorporava pratos de outros países, como hambúrgueres, brownies e massas, e pratos e petiscos brasileiros, como bolinho de arroz —receita da mãe de Maria Helena— e croquete de carne. Mas, quem fez a fama mesmo foram os hambúrgueres.
O restaurante virou como uma extensão dos jantares que o casal organizava nos anos 1960 e 1970 em sua cozinha em Londres. Com eles, vieram também os convidados ilustres, e, em poucos meses, o lugar se transformou em um hit.
"Foi tudo muito divertido. O Ritz abriu e virou um centro de poetas, de intelectuais, porque a gente já vinha de um mundo artístico", conta Maria Helena. "Foi de boca em boca. Quando a gente abriu, não tinha esse status de restaurante. Depois, a culinária ficou na moda."
Mais que um lugar para comer, o Ritz virou um espaço para ver e ser visto, ponto de encontro e celebração que marcou e segue marcando gerações.
O casal ainda abriria a casa de shows Radar Tantã, no Bom Retiro, que serviu de palco para a cena de rock paulistana, e, em 1985, a rede America, que mudou o conceito de comida rápida da cidade. Em 1994, Maria Helena abriria o Spot, outro ponto badalado na cidade.
Em1990, o Ritz começava a perder o brilho dos tempos áureos e Maria Helena, envolvida com o restaurante America, viu que precisava renovar para recuperar os clientes. Convidou então novos sócios, que permanecem até hoje: Lygia Lopes, que ajudou na concepção de receitas de um novo menu, e Sergio Kalil, que cuidou do salão.
Mesmo renovado, o menu manteve os favoritos da clientela, que continuam até hoje, como a torta de frango com salada, o bolinho de arroz e, é claro, os hambúrgueres.
As mesas e o balcão do bar voltaram a ser frequentados por um público variado. "Era um dos restaurantes mais modernos que tinha. Ninguém entrava no Ritz e falava ‘putz, isso não é para mim’. As coisas eram muito segmentadas, e o Ritz foi um lugar para todo mundo", diz Kalil. O local também ficou conhecido por virar um ponto de encontro da comunidade LGBTQIA+.
A equipe de garçons da casa era composta por universitários, saídos de cursos como filosofia e teatro, que indicavam de pratos a filmes —e, frequentemente, eram comentados pela beleza. "Era uma ajuda para ganharem um dinheiro e continuarem estudando", explica Maria Helena.
No aniversário de 20 anos do Ritz, os sócios abriram uma segunda unidade, no Itaim Bibi. Em 2011, veio uma terceira, no shopping Iguatemi. Em 2020, chegou no shopping Market Place, enquanto a unidade do Itaim Bibi fechava para dar lugar a um empreendimento imobiliário.
E, então, chegou a pandemia. "O delivery era muito forte, então a gente conseguiu não despedir ninguém", conta Maria Helena. Assim como outros tantos negócios do setor, fizeram empréstimos. O longevo restaurante resistiu à crise causada pela pandemia, que causou o fechamento de locais que funcionavam há decadas na cidade, como Marcel, Abu-Zuz e Pasv.
Quarenta anos depois, o Ritz mantém o público eclético e a aura jovem e badalada, ao mesmo tempo que mantém a tradição, mas sem medo de se renovar. A longevidade da casa, acreditam os proprietários, tem a ver com o bom atendimento e a qualidade da comida.
"Passamos por tantos períodos e a gente foi sobrevivendo, navegando. A comida é algo que junta as pessoas", diz Maria Helena. "É legal que, nesse país, onde é tão difícil fazer qualquer coisa, um local consegue sobreviver por 40 anos."
Já Kalil pensa em alguns planos para o futuro. "Acho que ainda cabe mais um Ritz na cidade", diz.
Excepcionalmente na noite desta quarta-feira, dia 17, o restaurante estará fechado para uma festa para os funcionários da casa.
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