Padaria do Mosteiro de São Bento tem receitas feitas por monges na clausura

No centro de SP, espaço oferece pães, bolos e biscoitos com tradições seculares

São Paulo

Era 1998, os monges beneditinos completavam 400 anos em São Paulo e lançavam uma novidade —abriram uma padaria.

Discreto, o negócio funciona em uma salinha dentro do Mosteiro de São Bento, nos arredores do maior centro de comércio popular da América Latina, a rua 25 de março.

Há algo de extremamente paulistano no caótico mar de gente e de carros para chegar ao edifício, no miolo do centrão da capital. De um lado, a profusão de plástico e quinquilharias da 25 de Março. Do outro, a congregação com cerca de 37 monges —alguns também padeiros de mão cheia.

O que se vende na Padaria do Mosteiro não é facilmente encontrado por aí. São pães, bolos e biscoitos produzidos artesanalmente e diariamente por uma equipe de seis pessoas, usando como base receitas de séculos de idade encontradas nos arquivos do mosteiro.

“Como eram muito antigas, fiz adaptações de acordo com o meu próprio paladar”, conta dom Bernardo Schuler, responsável pela padaria desde a concepção. “Hoje, a gente cria alguma coisa, faz a nossa própria alquimia.”

Pão São Bento, um dos itens da Padaria do Mosteiro, dos monges beneditinos da capital paulista
Pão São Bento, um dos itens da Padaria do Mosteiro, dos monges beneditinos da capital paulista - Divulgação

Mesmo com as atualizações, a essência se mantém. Caso dos bolos, ainda batidos à mão. Mas há quem estranhe ver monges que fazem votos de pobreza montarem um negócio com produtos considerados caros.

Schuler explica que a padaria foi criada num momento de necessidade financeira, mas que também resgatou uma tradição. Devido à regra da clausura, um mosteiro sempre deve ser autossuficiente. O excedente pode ser vendido, e o valor adquirido é voltado para a subsistência de quem mora ali.

O Mosteiro de São Bento, por exemplo, abriga desde 1903 o Colégio de São Bento. Em 1908, foi fundada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a primeira faculdade livre de filosofia do Brasil. E, desde 1998, há a padaria. “Ela é mais uma fonte de renda.”

Produção de pães na padaria do Mosteiro de São Bento, no centro de SP
Produção de pães na padaria do Mosteiro de São Bento, no centro de SP - Divulgação

Com cerca de um quilo, o Bolo dos Monges, produto mais antigo da loja e que combina ameixa, damasco e vinho canônico, é vendido a R$ 120. Também aparece em versão menor, por R$ 10. Já os pães, com cerca de 650 g, custam R$ 30 cada um.

Dom Bernardo explica que o que encarece os produtos é a qualidade dos ingredientes, muitos deles importados. “Usamos farinhas francesas, farinha de amêndoas. O bolo Gaudeamus é feito com farinha de pistache. Custa mais de R$ 100 o quilo.”

A aceitação do público paulistano é motivo de alegria para o religioso, mas ele também demonstra preocupação com a questão dos valores. Ressalta que os itens são produzidos diariamente por uma equipe pequena, formada por três monges e três funcionários. “Nem todo monge tem aptidão para a cozinha”, diz.

É verdade que a gastronomia não é a prioridade da produção de todos os mosteiros —há os que fazem sabonetes, cremes, arte sacra. Mas essa é uma das grandes contribuições da cultura monástica.

O famoso champanhe Dom Pérignon leva o nome do monge beneditino que desenvolveu o método de vinificação da bebida, o champenoise.

Já uma das cervejas mais renomadas do mundo, a trapista, é produzida em mosteiros e abadias católicas da Ordem Trapista, que também segue as regras de São Bento.

Os monges de São Paulo, aliás, também vendem a própria cerveja, a Mosteiro, nos estilos Red e Golden Ale (R$ 25 cada uma). Por não terem o maquinário, produzem a bebida em parceria com uma cervejaria do interior. “Mas a receita é nossa”, garante o monge.

Além da padaria e de uma loja própria, aberta desde 2008 na sofisticada rua Barão de Capanema, nos Jardins —a mesma do restaurante D.O.M.—, eles também vendem os quitutes em uma loja virtual, com entrega para o país inteiro.

“Tudo o que vendemos é feito no mosteiro. E está de bom tamanho. Já crescemos demais”, diz dom Bernardo. O que não impede que a centenária cozinha do mosteiro continue recebendo modernizações. “Investimos em fornos novos. Também trocamos o fermento biológico pelo levain [o fermento natural], uma forma de acompanhar as tendências gastronômicas.”

Padaria do Mosteiro
Largo de São Bento, s/n, região central, tel. (11) 3328-8799. Seg. a sex.: 7h às 18h. Sáb.: 7h às 12h. Dom.: 11h às 12h. padariadomosteiro.com.br

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