Se há um território confortável para mim, certamente é uma padoca. Mas padaria raiz, nada daqueles lugares que parecem shoppings e que têm setor de queijos importados, embutidos da Alsácia e cervejas da Cantuária. Deus me livre.
Padoca é lugar de rabo de galo e tremoço. Balcão de fórmica. Banco rangendo. Abelha sobrevoando o tecido de tule que protege as carolinas e os sonhos.
Precisa também ter máquina de café Monarca, com coroa cravada na tampa, brilhando, e uma fumaça saindo do banho-maria.
Aliás, não basta o balcão de fórmica e as fotos de sucos e sandubas em nichos na parede. Padaria assa o próprio pão, frita a coxinha, confeita as bombas de chocolate. Lugares como o Jhony's, no bairro de Santa Cecilia, por exemplo, não são padocas. O visual engana, mas são clássicos bares-restaurantes.
E por falar em Santa Cecilia, esse já foi um pedaço de São Paulo pródigo em boas padarias. Infelizmente, muitas se transformaram em butiques. Aliás, o distrito todo —e aí pode acrescentar Vila Buarque, Arouche e Campos Elíseos— está se transformando.
A gentrificação bateu firme. Mas, mesmo depois da onda hipster, há ainda boas padarias no bairro, sem comanda eletrônica nem catraca na entrada. Da rua Dino Bueno à Marquês de Itu, da rua Tupi até a Consolação, elas são territórios sagrados. Verdadeiros enclaves em meio à loucura.
Mas de nada adianta esse clima todo se a padaria não tiver uma coisa: um pãozinho excelente. Tenho horror a zepelins de bromato.
O meu pão preferido na Santa Cecilia é o da padaria Palácio. É preciso dizer a verdade —como local, ela acabou sucumbindo à gourmetização. Foi reformada anos atrás, mas o pãozinho segue campeão.
A Palácio não é a mais próxima da minha casa. Mas cada quarteirão até lá vale a pena. Posso ainda afirmar, sem total base científica, como quase um terraplanista dos pães, que o pão assado pela manhã é melhor do que o da tarde.
A massa é leve, a casquinha é exuberante, o sal fica no ponto. Só de escrever, dá água na boca. Penso em largar o computador, passar o café, buscar alguns filões e comer com manteiga.
Por coincidência, a padaria fica quase em frente ao melhor frango assado de televisão da América Latina, o “frango da japonesa”. Bom, mas isso é tema para outro Guia Folha.
Voltando aos pães, reza uma lenda. Ouvi do Chicão, garçom do restaurante Ugue's. Diz-se que, certa vez, demitiram o padeiro da Palácio. Como o pão usado pelo Ugue's era de lá, logo correu um abaixo-assinado entre os clientes pedindo a volta do funcionário.
O bairro inteiro se envolveu, e a lista juntou folhas e folhas até que o padeiro fosse recontratado. E a Palácio continuou ostentando em seus pacotes: servimos bem, para servir sempre.
Palácio dos Pães e Doces
R. Martim Francisco, 740, Santa Cecília, região central, tel. (11) 3825-1708. Presencial e delivery: seg. a dom., 6h às 19h. Possui retirada
14h49
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