De muquifo, "local sujo e em que falta ordem", o novo Muquifo, de Renata Vanzetto, não tem nada. O mais jovem integrante do grupo que abrange Marakuthai, Ema, MeGusta e Matilda, é também o mais velho.
Cada detalhe transporta para um passado acolhedor: o azulejo rosa, os copos de vidro marrom, os pratos despareados de antiquários, a conta que vem naqueles estojos de pó de arroz de antigamente.
O mesmo sentimento se repete na leitura do cardápio com fórmulas familiares, estrogonofe, bolonhesa, parmigiana, pudim, bolo de cenoura. São preparos que vão no sentido oposto da "comida do futuro", ainda que haja um aproveitamento respeitoso dos ingredientes —aparas de filé-mignon são aproveitadas em tirinhas, casca de batata vira palha, pão amanhecido, farofa.
Muita manteiga? Tem. Fritura? Também. Açúcar? Tem também. Bem, o Muquifo traduz a memória afetiva de comilança e hospitalidade da família da chef —cuja matriarca, sua avó quase centenária, costumeiramente preparava um "singelo" enroladinho de mortadela frita em imersão recheado de Catupiry para as crianças no lanche da tarde.
Dessa raiz deriva-se a batata da vó Cida, na qual o uso do caldo Knorr é revelado com escracho e humor. Laminada, é melecada em creme de leite e manteiga antes de ir ao forno. Em sua companhia, um filé-mignon à milanesa, altinho, gostoso de morder --mais suculento, seria melhor (R$ 67).
Para fugir do peito de frango, Renata acomodou uma sobrecoxa assada, de pele dourada e interior úmido, sobre aquela base classicona do estrogofone, com cogumelos frescos. Arroz branco soltinho e batata-palha bem fina escoltam (R$ 55).
Mais leveza ao atum cru, com ovo, maionese e batata frita, lhe faria bem —a farofa de pão dá contraste de textura, mas, em quantidade exagerada, desequilibra o conjunto (R$ 29).
Saem-se bem as sardinhas com cebola cortada em plumas. Boa picância atiça as papilas (R$ 18). Mar e terra se encontram nos mexilhões e vôngoles servidos na concha com alho assado na gordura de porco e pele de frango (R$ 30).
Todos esses itens são servidos no jantar e aos fins de semana. Durante a semana, o almoço executivo varia com frequência —custa R$ 52 o combo com entrada, prato e sobremesa, sem minimalismos.
Bem, para arrematar, pudim "de leite condensado sem furinho", pavê de doce de leite, bolo de cenoura com calda quente de brigadeiro.
É um desafio voltar-se à comida cotidiana, de que todos têm referência —mas as filas sugerem que talvez estejamos carentes de um afago.
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