A abertura do Cais, em Pinheiros, tonifica uma corrente de casas dedicadas a peixes e frutos do mar, até recentemente inexistente em São Paulo.
Em parte hoje isso é possível porque a oferta da matéria-prima melhorou brutalmente em função da presença de um novo personagem nessa cadeia: fornecedores qualificados, conectados aos pescadores em uma ponta e aos chefs na outra; e atentos a práticas sustentáveis e a rastreabilidade no caminho do mar à cozinha.
Com bons ingredientes em mãos, Adriano de Laurentiis, 28 (ex-Tuju e Corrutela), faz uma cozinha arrojada, que transita entre o bruto e o delicado num menu freneticamente rotativo.
Ao mesmo tempo em que ele parte de receitas óbvias, como a caesar salad (e a ela imprima particularidades que lhe dão força), apresenta ineditismos, como a linguiça de atum.
Na salada, sobressai a albacora, peixe de carne macia e suave, levemente curado. A alface romana ganha em sabor (tostado) e textura (crocante) ao ir à grelha; e o creme que a besunta exibe alho intenso e um fundo doce típico do molho de peixe tailandês adotado no lugar da anchova (R$ 34).
O embutido, cujo preparo está sob a aba do sócio Guilherme Giraldi, 32 —também responsável pelo salão no qual orquestra equipe afinada em sintonia com o serviço de vinho—, cumpre ainda um propósito de aproveitamento ao combinar aparas e carcaças de atum que geralmente são descartadas a gordura de porco. O resultado preserva a nobreza do sabor do peixe e realça uma untuosidade sedutora.
Recebe a companhia de um purê de batata rústico, cujo tempero cítrico e a improvável saladinha de salsinha ajudam a equilibrar com o potente demi-glacé de porco (R$ 33).
Alguns pratos carecem da harmonia que prevalece na maior parte das receitas. É uma pancada a nadadeira de vermelho com molho de mostarda e purê de batata-doce (R$ 66).
A ideia é boa e inovadora —usar a nadadeira, comumente rejeitada. Difícil de preparar, difícil de comer, mas um deleite. Carne colagenosa, com gordura, muito bem tratada na churrasqueira a lenha.
Ao lambuzá-la com um molho encorpado, rico em creme de leite e mostarda, com rabanete na manteiga noisette, mais intensa e adocicada, porém, o conjunto resulta excessivamente pesado.
Já a tainha defumada, mais oleosa e gorda, absorve o sabor da lenha sem que sua carne perca suculência e é acomodada em um molho translúcido de maçã, no qual convivem amistosamente doçura e acidez (R$ 54, com legumes viçosos na manteiga).
Na sobremesa, merece atenção o uso intenso do maçarico na torta de queijo com caramelo salgado. Se mais brando, decerto iria proteger e realçar a extrema delicadeza do sorvete de pera que a complementa (R$ 24).
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