Não faltam motivos para controvérsia. Preços altos, cardápio com uma mistura um tanto pretensiosa de petiscos de boteco, clássicos franceses, massas italianas, pratos tradicionais brasileiros, frutos do mar e miúdos, além de uma decoração para lá de suspeita (cheia de estampas de oncinha) são uma combinação bem pouco atraente. Poderia ser suficiente para criar um alerta e manter qualquer cliente mais cioso longe do Bar da Dona Onça, no centro de São Paulo.
Mas o estabelecimento, inaugurado em 2008 aos pés do edifício Copan, vive cheio, com um público local e muitos turistas. Isso porque tem um super-trunfo na manga: a chef Janaína Torres, que antes usava o nome Janaína Rueda. Ela foi eleita pela premiação World’s 50 Best a melhor chef mulher do mundo em 2024 por seu trabalho em lugares como o Dona Onça e o também premiado A Casa do Porco.
Apesar de ter muito marketing envolvido nesse tipo de prêmio, é um título que pode ser o suficiente para deixar de lado as ressalvas com a decoração kitsch e os R$ 89 cobrados por um mero estrogonofe, e conhecer a sua gastronomia.
A boa notícia é que a comida do Dona Onça é realmente muito bem-feita, com total domínio da técnica e pratos bastante saborosos.
O desafio é desvendar o cardápio, longo e variado, com 44 opções de pratos e petiscos, mais de uma dezena de acompanhamentos e 12 sobremesas.
Mas o próprio menu dá algumas dicas.
Para começar, por exemplo, tem o "xodó da chef": uma carne de onça (R$ 65). Versão brasileira (curitibana) do steak tartare, trata-se de carne bovina servida crua, triturada e bem temperada. E o da Dona Onça é realmente ótimo, apesar de bem pequeno, com a carne compacta servida com maionese de mostarda e rabanete sobre pequenas torradas crocantes, em bocadas saborosas e refrescantes.
Outras boas opções são a pancetta de porco frita (R$ 79) e o croc milanesa (R$96), bife empanado servido como petisco com molhos de queijo e de pimenta, que já virou um clássico da casa.
Um dos pratos que faz a fama do bar é o picadinho de carne (R$ 87), que é servido com arroz, ovo, creme de feijão e um delicioso tartar de banana.
Para testar a habilidade da chef premiada, vale encarar os miúdos, pratos desafiadores, mas que revelam a competência da cozinha. O fígado em tiras (R$ 78) pode convencer mesmo quem não costuma comer vísceras. É delicado, macio e vem coberto com um molho acebolado cheio de umami, além de um bom purê. Grande surpresa.
Mas a melhor forma de conhecer a contribuição gastronômica da chef premiada pode ser com um prato que é praticamente um aceno à Casa do Porco, o stinco de porco caipira (R$ 99).
A peça com osso (a canela do bicho) é assada e servida com a carne macia e suculenta, com um ótimo molho que lembra um demi-glace, acompanhada por um ótimo feijão tropeiro coberto com couve crocante e cubinhos de laranja que surpreendem e tornam a combinação uma delícia.
Na hora da sobremesa, a mais indicada pelos garçons é o merengue de morango (R$ 37), com uma grande taça bem instagramável de frutas e suspiro. Mas o cheese-cake de goiabada cascão (R$ 37) pode ser uma opção mais interessante. É leve e tem uma calda delicada e pouco doce, com notas de goiaba fresca.
Refeições assim podem se sobrepor a qualquer cisma prévia que se possa ter com o Dona Onça. É verdade que os valores ainda podem assustar, mas agora podem ser justificados com o "preço prêmio", nome que estudos de mercado usam para descrever a predisposição de consumidores a pagar mais por produtos de marca. Qualquer premiação de melhor do mundo tende a ser um tanto exagerada, mas além do marketing, tem comida boa ali.
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