Restaurante Boto parte da brasa para fazer trabalho autoral com ingredientes locais

Chef Leo Botto exerce com liberdade autoral com produtos de fornecedores da mais alta estirpe

Boto

Leo Botto constrói a narrativa de sua cozinha, que exerce com liberdade autoral, a partir do fogo —intensidades, tempos e formas de empregar o calor.

Esse discurso surge reforçado no espaço em que estabeleceu seu novo restaurante, o Boto, em Pinheiros. Integrou ao salão, com janelões enormes, uma cozinha atraente que deixa à vista uma grelha basculante.

Uma observação mais profunda leva a compreensão de que os ingredientes complementam o eixo de seu trabalho. Botto se cercou de fornecedores da mais alta estirpe, como Antônio Amaral, que lhe abastece de peixes, e o agricultor Patrick Assumpção, um defensor da nossa biodiversidade.

Alcança, portanto, elementos como cará-moela e mangarito, tubérculos abandonados ao esquecimento. O primeiro, aéreo, disforme, com leve amargor, vira chips e serve de base para acomodar um naco macio de acém defumado, de vermelho intenso, com creme de alho (R$ 24). O segundo é mantido íntegro e deitado num tucupi provocantemente ácido. 

Tapioca flocada na pedra servida com compota de jabuticaba do restaurante Boto
Tapioca flocada na pedra servida com compota de jabuticaba do restaurante Boto - Bruno Soto/Divulgação

Ainda que o chef tenha alma bandeirante, vá ao Norte e tente vender certa ideia imaginária de Amazônia em símbolos como esse, está fincado, essencialmente, em produtos que saem dos arredores.

O menu, com bom custo-benefício, porções e carnes para dividir, estimula um sentimento de comunhão rareado nesses tempos ásperos. 

A mandioca com pó de couve e mel de uruçu amarela (R$ 22) tem crosta tostada e interior ultramacio —resultado de um purê enriquecido com óleo de coco. A abóbora, adocicada e al dente, recebe companhia de suas sementes secas e picantes e de uma sedosa coalhada de castanha-de-caju (R$ 22). 

Camarões carnudos delicadamente defumados conservam textura colagenosa e são pincelados com banha de porco caipira. A costela fica submetida ao calor, alimentado por lenha nativa da mata atlântica por sete horas.

De experiências passadas, carrega dois clássicos. A paleta à milanesa vem embalada em farinha de pão, que também dá crocância ao seu nhoque de batata. A carne, mais alta e parruda, merecia estar mais avermelhada; o nhoque, mais firme. Mas não é mal, desmancha na boca e se mistura deliciosamente ao creme de queijo curado no qual é envolto (R$ 52).

Boas promessas estão contidas nos próximos passos, como um bar aberto para a rua e uma ala de charcutaria.

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