Sabelucha, antigo café petista no Bexiga, volta a funcionar sem se envolver com política

Endereço em SP ganhou nova direção após a morte do antigo proprietário, Segismundo Bruno

Cafeteria Sabelucha, que reabriu após reforma, no Bexiga

Cafeteria Sabelucha, que reabriu após reforma, no Bexiga Gabriel Cabral/Folhapress

São Paulo

Mais do que o cafezinho e os bolos caseiros, a principal marca do café Sabelucha, no Bexiga, eram as fotos, os pôsteres e as bandeiras com frases e imagens de Lula e do PT. Isso sem falar do carisma do dono, Segismundo Bruno, é claro.

Não era preciso nem sequer entrar no local, na região central de São Paulo, para amá-lo —se você fosse simpático à esquerda— ou logo odiá-lo e evitá-lo —se fizesse parte do grupo antipetista.

Da rua mesmo já era possível avistar os itens em tons de vermelho, as fotos de Lula e de Dilma Rousseff, as palavras de ordem contra figuras como Michel Temer, Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro e outros objetos que emprestavam à casa um pouco da personalidade de Bruno, que fundou o negócio ao lado da irmã, Maria Imaculada, em 1993.

O nome é uma homenagem à avó Isabela, também chamada de Isabelucha ou somente Sabelucha. Mas, no fim, acabou virando a própria alcunha de Bruno, que era conhecido pelas ruas do bairro como Bruno Sabelucha. ​

Com a sua morte, no fim de 2020, o futuro do café ficou incerto. "Muita gente achou que estivesse fechado por causa da pandemia, mas na verdade a gente estava reformando", diz Cristiana Novaes Silva, que agora comanda o local junto ao marido, Manoel de Jesus.

Dono da cantina e pizzaria 13 de Maio, a poucos metros dali, o casal assumiu a empreitada logo após a morte do antigo dono. Silva conta que havia muita gente interessada no ponto, mas como o marido tinha uma amizade com Bruno, a família deu preferência para eles. "Nós não compramos, alugamos. O prédio continua deles. Foi um acordo que fizemos."

O Sabelucha reabriu as portas há um mês, no dia 19 de abril, sob nova direção. Mas, fora o endereço, o balcão e a máquina de expresso, tudo mudou. Não há mais a decoração petista nem os objetos ligados à esquerda. "Não vou ligar o café a um partido", comenta Silva. "O Bruno era uma pessoa, eu sou outra. Na época dele, o pessoal que é contra o PT não entrava aqui —mas eu não quero isso." Nas palavras dela, Bruno tinha ali um lugar mais de diversão. "E eu quero ganhar dinheiro."

A nova casa tem agora uma decoração que segue o que manda o design contemporâneo, em tons de madeira e com uma parede de plantas artificiais, que serve de moldura para o letreiro. A proposta do cardápio também mudou —hoje, afirma a dona, ali funciona um café gourmet.

"Antes tinha mais brigadeiro, bolo toalha felpuda e cafezinho, né? Hoje a gente tem café gourmet, outros tipos de bolos, doces e salgados", lista. Mas ainda há o trio de cafezinho, brigadeiro e toalha felpuda para os mais saudosos.

Ao contar as mudanças feitas, ela revela uma preocupação em respeitar a memória do antigo dono. "Não queria nem pintar as paredes, porque o próprio Bruno havia pintado. Mas a família disse que tudo bem", conta.

Apesar de darem uma cara própria ao espaço, os novos donos mantêm em uma das paredes uma espécie de memorial do antigo Sabelucha, com fotos de Bruno. "Quero colocar bastante foto dele aí", diz Silva. "Todo dia aparece gente aqui perguntando dele, dizendo que tem saudade."

Uma das figuras lendárias do Bexiga, Bruno batiza agora também duas bibliotecas na mesma rua, a 13 de Maio. Uma delas é dedicada à literatura infantil, a biblioteca Segismundo Bruno, que divide espaço com a livraria Faz de Conta e com a sede da editora Ôzé, na casa azul na altura do número 515.

A outra está dentro da Canhota Mercearia, no número 772. Nos fundos da loja, uma plaquinha identifica a minibiblioteca Segismundo Bruno "Sabelucha", com livros de formação política.

E não é só a temática da biblioteca que lembra o antigo proprietário do café. A loja nasceu também expressando seu posicionamento político à esquerda, com camisetas, canecas e bandeiras estampadas com o rosto de Lula, a estrela do PT e o símbolo do MST, por exemplo —de certa forma, tornando-se herdeira política no bairro do antigo Sabelucha a menos de 200 metros de distância.

Aberta durante a pandemia, a mercearia ocupa o espaço que era do bar Catzo, que fechou as portas. Carlos Milhomem, dono do local, criou o negócio num momento em que bares e restaurantes não podiam funcionar devido às medidas de combate ao coronavírus. "Hoje é o que paga as contas", diz, apesar de não esconder as saudades do bar.

Por ali, a estratégia de negócio é nichada e abre mão do consumidor bolsonarista e anti-PT para se posicionar politicamente, assim como Bruno fazia. "Não temos nada produzido por multinacionais", diz Milhomem, reforçando que o público da loja também encontra itens orgânicos e de pequenos produtores, como café, arroz, azeite e cerveja. Enquanto comenta isso, serve um cafezinho numa xícara antiga do Sabelucha.

"Foi a Maria, irmã do Bruno, quem me deu. O café estava havia um tempo fechado, e a gente tentou alugar o ponto. Mas a família falou que estava conversando com outras pessoas", conta Milhomem. "Até que um dia ela veio aqui e me trouxe esta xícara de presente, dizendo que alugou o café para outra pessoa."

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