Qual é a cor da sua pele?
Refletindo sobre uma pesquisa do IBGE que levantou esta questão, a artista carioca Adriana Varejão apresenta a exposição "Polvo" a partir deste sábado (dia 5) no Galpão Fortes Vilaça (zona oeste de São Paulo).
Para a individual, Varejão criou uma série de 33 cores de tinta a óleo que levam nomes como "Morena Bem Chegada", "Burro Quando Foge" e "Fogoió".
As expressões foram tiradas do universo de 136 termos catalogados pelo estudo, realizado em 1976 sem a restrição de respostas predeterminadas. Uma caixa contendo as bisnagas desses pigmentos é uma das peças que integram a mostra.
"As cores são muito imprecisas. A exposição fala sobre a impossibilidade de classificação e sobre como um nome não traduz uma cor necessariamente", explica a artista.
"O seu 'burro quando foge' é diferente do meu 'burro quando foge' [risos]", compara.
Além do estojo, também serão expostos retratos inéditos sobre os quais Adriana aplicou formas inspiradas em pinturas faciais indígenas –sempre utilizando a linha de tintas desenvolvida, à qual a artista deu o nome da criatura marítima.
"Polvo é uma palavra parecida com a palavra povo. E é o animal que solta uma tinta à base de melanina (substância que colore a pele humana). Esse trabalho trata a cor como sendo mais uma linguagem do que o tom propriamente dito", conclui Varejão.
Veja abaixo uma entrevista com a artista.
Guia - Há quanto tempo você trabalha neste projeto?
Adriana Varejão - A ideia nasceu há mais ou menos 15 anos. Veio de um outro trabalho que eu realizei relacionado à pele. Então existia uma célula dessa ideia lá atrás, nos anos 1990. Depois eu tomei conhecimento dessa tabela da PNAD (Pesquisa de Amostra em Domicílios), uma pesquisa realizada pelo IBGE em 1976 e na qual era feita essa pergunta para as pessoas: "Qual é a sua cor?". Cada um podia responder livremente e, a partir dessas respostas, existe uma lista de 136 nomes diferentes. Quando tomei conhecimento dessa tabela eu fiquei apaixonada. Sempre quis fazer algo relacionado a ela, mas não sabia como traduzir isso num trabalho de arte. Resolvi, então, selecionar 33 nomes dessa lista e criar uma série de cores de tinta a óleo a partir deles.
Qual foi a parte mais difícil desse trabalho?
A tarefa de traduzir esses nomes para o inglês foi dificílima, porque tem que tentar pegar o espírito da palavra ou da expressão. Trabalhamos muito nessas traduções. Essa lista [do PNAD] é citada em vários livros de antropologia, daí eu peguei um traduzido para o inglês. Só que a tradução tentava explicar o nome. Por exemplo, "Burro quando foge". Eles tentavam explicar como, sei lá, "pale grey" [cinza pálido, em tradução livre]. Mas aí esvaziava completamente o sentido. Outro caso: "Branquinha". Como traduzir? É difícil, porque esse 'inha' não existe. É uma coisa meio de carinho –branquinha, moreninha... A gente traduziu como "Snow White", que é uma coisa íntima, mais frágil também.
Quais outros exemplos você pode citar e suas respectivas traduções?
"Burro Quando Foge" ficou "Faded Fawn", porque existe uma cor de camurça com esse nome e "fawn" é um animal (gamo) semelhante a um veado. "Morenão" virou "Big Black Dude". As cores de pele da tinta a óleo são geralmente representadas por um rosa claro bem artificial, bem caucasiano. Então eu dei uma diversidade aos tons de pele a partir dos nomes da pesquisa. Tem outras cores do tipo "Morena Bem Chegada", "Encerada", "Café com Leite", "Fogoió", "Branca Melada", "Pouco Clara" e "Queimada de Sol".
E a sua cor, qual seria?
[Risos] Depende, né? De vez em quando é "Queimado de Praia", de vez em quando outra... Mas acho que é "Branca Melada" ("Honey White").
Comentários
Ver todos os comentários