Força agrícola dos quilombos é tema de exposição do Museu Afro, no Ibirapuera

Objetos do cotidiano, ilustrações e fotografias ajudam a contar história tricentenária

Na pintura, três mulheres negras aparecem lado a lado.

'Tradição e experiência', aquarela de Amanda Nainá dos Santos que ilustra o livro 'Roça é Vida' Divulgação

São Paulo

De madeira, ferro fundido ou pedra, o pilão, item usado para triturar temperos e sementes, é encontrado nas cozinhas brasileiras desde os tempos coloniais. De origem africana e presente na cultura alimentar quilombola, o item é um dos 88 objetos que integram a exposição "Roça é Vida", no Museu Afro Brasil Emanoel Araújo, no parque Ibirapuera.

A mostra começa no próximo sábado (24), resultado de parceria que envolve o museu, o governo do estado e a Associação Quilombola do São Pedro, comunidade de Eldorado (a cerca de 240 km da capital), no Vale do Ribeira. O acervo da exposição é constituído também de fotografias e artefatos, como saraquá, utilizado na plantação de sementes, e picuá, uma espécie de bolsinha para guardar grãos.

Ilustração de pessoas celebrando em região quilombola.
'Festa', ilustração com tinta à base da terra do quilombo feita por Vanderlei Ribeiro, em 2021, para o livro "Na Companhia de Dona Fartura" - Divulgação

"Queremos mostrar que dentro de uma comunidade quilombola existe tecnologia e que essa roça que temos é uma forma de preservar, além das mudas e sementes, o modo de viver dentro desses territórios", explica Luiz Marcos de França Dias, coordenador da associação quilombola e curador do evento.

Baseada nos livros "Roça é Vida", que nomeia a mostra, e "Na companhia de Dona Fartura, uma história sobre cultura alimentar quilombola", ambos escritos pelos próprios moradores da comunidade, o evento paulistano recebe ainda telas em aquarela de Amanda Nainá dos Santos e Vanderlei Ribeiro, o Deco. Os dois artistas ilustraram os livros inspiradores da exposição. Em algumas pinturas, é a própria terra do território que é usada como tinta.

Patrimônio imaterial pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o sistema agrícola do Vale do Ribeira é o tema que conduz a narrativa desses livros. Na avaliação de Dias, a proposta da mostra é evidenciar o povo quilombola como produtores de conhecimento.

"O movimento agrícola é, na verdade, o fio condutor da exposição", diz. Nas palavras dele, a roça, enquanto território quilombola, tem importância na produção do saber, de histórias de vida, e principalmente, nas mudanças climáticas. "Porque hoje, somos como guardiões da floresta de mata atlântica."

Ocupando parte do sul do estado de São Paulo e leste do Paraná, o Vale do Ribeira é uma região que concentra aproximadamente 50 comunidades quilombolas. Abriga ainda 60% da área remanescente de mata atlântica. Hoje, somente o quilombo São Pedro, por exemplo, tem cerca de 150 moradores.

Em cartaz até o dia 24 de setembro, a mostra inclui a apresentação do documentário "Quilombo São Pedro: Modo de Ser e Viver", disponível nas plataformas do Museu Afro Brasil a partir do dia 29 de junho.

Analista de articulação em redes do museu, Janderson Brasil participou do processo de curadoria junto à comunidade. A partir do sistema agrícola, explica, a ideia é apresentar o cotidiano, as lutas e as memórias do quilombo de São Pedro. "E assim preservar, extroverter e comunicar essa realidade."

Essa relação entre o Museu Afro Brasil e quilombo teve início em 2017. Todavia, agora é a primeira vez que eles se unem para colocar de pé o projeto de uma exposição, algo inédito no estado.

Vale lembrar que, além de "Roça é Vida", o museu recebe ainda mostras como "Bará", homenagem ao orixá Exu, "Mães - No imaginário da arte", celebração em torno da figura materna, e "Alicerce", um passeio pelos momentos da história da arte brasileira.

Roça é Vida

O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford

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